sábado, 31 de outubro de 2009

Não sei, não quero saber, e que quem saiba não me conte!

"Tenho observado com mais critério, ultimamente, uma situação recorrente nos relacionamentos atuais. É o desejo exagerado e a valorização equivocada que muita gente tem nutrido acerca da transparência.


Tenho ouvido várias pessoas afirmando categoricamente que preferem saber de tudo o que seus parceiros fazem, ainda que isso sirva sobretudo para dilacerar sua alma, destruir seu coração e pisotear sobre seus valores.


Isso sem falar do Orkut, um ‘site-vitrine’ exposto, por algumas pessoas, de modo leviano, e transformado num mundo de fantasias absurdas. E se não bastasse a construção diária de tamanha ilusão, milhares de pessoas se deixam influenciar por ela para fazer escolhas importantíssimas em sua vida!


É um novo e desastroso jeito de praticar o antigo voyeurismo – isto é, bisbilhotar o outro em sua intimidade. Acontece que, originalmente, a idéia é olhar para (e sentir prazer pelo) o que existe de real, enquanto que pelo Orkut, o que se vê não é – definitivamente – real e, muito menos, tem proporcionado prazer.


E o que vemos, por fim, é o resultado de desejos enrustidos e tentativas ‘mortas’, mascaradas, carentes de coragem, verdade e força para se tornarem concretas. Claro que existem vantagens de se usar o Orkut, mas é preciso maturidade para usufruir delas!


Enfim, vivemos a era da transparência, mas nem sabemos o que isso significa e para quê serve. Queremos saber da vida do outro sob a justificativa de que somos sinceros e desejamos reciprocidade, de que preferimos agüentar a dor da verdade a imaginar a hipótese de estarmos sendo feito de bobos.


O que é isso?!? Desde quando estamos prontos para uma verdade que, no final das contas, nem existe? Desde quando o humano é passível de tanta transparência?!? Não sabemos nem de nós mesmos, o que dirá do outro!!! Mudamos de idéia, pensamento e até de opinião o tempo todo e queremos que o outro nos passe relatório de seu mundo interior!!! Como assim?


E depois não entendemos por que estamos tão neuróticos, tão depressivos, tão ansiosos, tão estressados... Desejamos uma verdade sem nos darmos conta de que, para conhecê-la, precisamos antes investir em nosso amadurecimento, em nosso equilíbrio, na consciência superior de quem somos e o que temos para transparecer ao outro.


Mas, não! Simplesmente almejamos a utópica sensação de poder, de controle, de manipulação acerca do futuro e da vida alheia... e o que conseguimos? Frustração, decepção, brigas, cobranças, desentendimentos, rompimentos, lágrimas, ofensas, desrespeito e humilhações.


Não estou defendendo nenhuma das partes: nem a que constrói uma fantasia sob o rótulo de verdade e nem a que se corrói por descobri-la, como se acabasse de encontrar um mapa do ‘tesouro’.


Tudo o que temos encontrado, nestas buscas insanas e infantis, está mais para bomba-atômica do que para algo que se pareça com alguma verdade ou tesouro.Sugiro que, antes de saber, querer saber ou perguntar a quem sabe sobre o quanto o outro tem sido sincero, transparente e verdadeiro conosco, consigamos responder a nós mesmos quais são as nossas verdades, o que temos feito para ser verdadeiramente transparentes. Com que intensidade e por quanto tempo podemos manter um determinado sentimento, uma opinião ou uma circunstância...


E que todos nós, em alguma medida, seguindo o ritmo de nossa maturidade, percebamos que mais importante do que saber tudo sobre o outro é nos mantermos focados em nossas intenções, no desejo real de viver o que há para ser vivido... e a verdade do outro será apenas e tão somente uma natural conseqüência...


Que paremos, de uma vez por todas, de nos deixar influenciar por fantasias ou – pior – de investir tanto tempo construindo fantasias por conta própria, seja sobre nosso próprio mundo, seja sobre o mundo do outro.


Porque a transparência de fato não está no que ele diz ou faz, nunca! Está dentro de cada um; em cada uma das escolhas que fazemos a cada instante, e que tantas vezes nem percebemos...


Estarmos um pouco mais atentos às escolhas que temos feito e, assim, sabermos um pouco mais sobre nós mesmos, é o que realmente importa!"




Rosana Braga.

Interlúdio


"As palavras estão muito ditas


e o mundo muito pensado.


Fico ao teu lado.


Não me digas que há futuro


nem passado.


Deixa o presente — claro muros


em coisas escritas.


Deixa o presente. Não fales,


Não me expliques o presente,


pois é tudo demasiado.


Em águas de eternamente,


o cometa dos meus males


afunda, desarvorado.


Fico ao teu lado."




Cecília Meireles

O mito da mulher misteriosa


"...sempre quis ser dessas mulheres imperfuráveis, inatingíveis, inaudíveis e incompreensíveis.

_Mas nunca consegui.

_Quando vou ver, já contei minha vida pra primeira pessoa que me deu um pouco de atenção.

_Já to rindo alto no restaurante porque não me controlei e fiquei feliz demais.

_Já escrevi um texto sobre o fulaninho da terça passada e publiquei numa revista.

_E o fulaninho ta morrendo de medo porque escrevi que gosto dele.

_E se alguém perguntar, vou dizer mesmo que goste dele.

_E se ele não gostar de mim, minha tristeza não será segredo para ninguém.

_E minha pasta de dente é para deixar os dentes branquinhos.

_E quando vou ver, lá se foi a mulher misteriosa que eu gostaria tanto de ser.

_Porque eu jamais poderia ser uma.

E sofri anos com isso.

Até que resolvi conviver de perto com algumas mulheres misteriosas para tentar descobrir o que se passa na cabeça e na alma desses seres incríveis que nunca têm nada a dizer, a doer, a aconselhar, a cantar, a dançar, a morrer de rir, a fofocar, a detalhar, a exagerar, a sonhar, a dividir, a acrescentar.

E descobri que a coisa era muito mais simples do que eu imaginava: nada.

Não se passa nada de relevante nem na cabeça e nem na alma dessas mulheres.

As mulheres misteriosas, tão admiradas e desejadas, não passam de mulheres sem a menor graça.

Elas não calam por mistério, charme ou discrição.

Calam porque simplesmente não há nada mais sábio que elas possam fazer."


Tati Bernardi

"OU ENTRA EM TRATAMENTO OU TERMINO O NAMORO"

"A infidelidade já não é um problema, e esse é um problema. Tudo é normal, ou nos normalizamos rapidamente com qualquer coisa, a tal ponto que não existe anormalidade.

Ter uma iniciação sexual com cabra, participar de swing comunitário, revelar seus desejos por uma cicatriz na perna; nada mais assusta. Nada mais é motivo de pânico e debate para fechar um bar. O cineasta Walther Hugo Khouri não acharia mais nenhum tema para polemizar. Morreu antes dos tabus entrarem em crise criativa.

Depois do sexo livre, da amizade colorida e do mergulho na lama, a monogamia virou um preconceito.

Os terapeutas, psicólogos e psiquiatras ajudaram a tornar o dia-a-dia viável. Em contrapartida, as próprias traições. Óbvio que eles não têm culpa disso. Ninguém deve guardar culpa de nada.

A moral agora é não sofrer com a moral, o que parece um paradoxo. Temos que nos aceitar como não somos.

Você trai, logo confessa para o terapeuta e se acostuma com a idéia. Busca capturar o motivo de pular a cerca – aprende que não importa o resultado, o propósito é descobrir a origem da compulsão. E pula a fazenda inteira para respeitar a naturalidade das suas atitudes. Mergulha numa nova fase: a palavra alivia o silêncio; lavou na palavra, está novo.

Antes os casais se traíam para procurar uma satisfação que não encontravam no casamento. Hoje você pode estar satisfeito no casamento e ainda trair. O prazer em dia não é o bastante para segurar o amor. Os pares querem fantasias. Há uma obrigação pelas fantasias. Quem não tem uma fantasia exótica fora de casa não é moderno. Quem não tem uma fantasia extravagante fora do corpo não é pós-moderno.

E fantasia não é planejada. É na hora, do jeito que vier, pelo desafio, no calor da casualidade. Quanto maior a surpresa, maior o arrebatamento. A fantasia é incontrolável, contrariando em cheio o voto e o esforço de um casamento. Fácil de ser justificada; basta alegar que foi um disparate, uma atitude impensada. Não tem que prestar contas e cuidar do reencontro. Essencialmente provisória. Como uma bebedeira.

Um amigo, por exemplo, acabou pressionado pela namorada a resolver sua obcecada canalhice. Não admitia a fragilidade dele nas noitadas, os olhares lânguidos por baixo dos panos e das pálpebras, os esbarrões involuntários e o papo fiado com a mulherada nos corredores. Levantou a bandeira: ou entrava em tratamento ou ela terminava o namoro. Apaixonado, ele desistiu de sua desconfiança com o consultório, que julgava perda de tempo, e assumiu o vício.

Ao invés de trair menos, passou a trair mais para arrumar assunto com o terapeuta. Está com analista até hoje – a única relação que perdurou em sua vida."


Fabricio Carpinejar

domingo, 25 de outubro de 2009

RIR COM O CÉREBRO

"Abra uma revista feminina e estarão lá todas as dicas para a felicidade eterna: como fazer um casamento durar, como relacionar-se bem com seu chefe, como manter uma amizade, etc, etc. Quem leu uma reportagem leu todas: elas são unânimes em dizer que é fácil descomplicar a vida. Será? Existe, sim, uma maneira de dar alívio imediato para as agruras da nossa sacrossanta rotina. Anote aí a palavra mágica: humor.
Nada de novo no front. A maioria das pessoas sabe que o humor é o melhor paliativo para o caos emocional em que vivemos. Só que não funciona para todos: um grande contador de piadas não é, necessariamente, feliz. Humor nada tem a ver com palhaçada. Não é preciso mostrar todos os dentes. Humor é uma maneira de enxergar o mundo. E o olhar irônico, crítico e, por vezes, benevolente de quem sabe que nada deve ser levado demasiadamente a sério.
Quantas vezes você viu Woody Allen gargalhar? E Paulo Francis, Millôr, Verissimo? Ri melhor quem ri com o cérebro. Muita gente se queixou dos comentários de Arnaldo Jabor na entrega do Oscar. A troco? Por que ele deveria reverenciar um glamour que acha careta, por que deveria calar diante da magnificência da festa? Billy Cristal zombou de tudo e de todos, mas dentro do script. Jabor fez apenas o papel de Jabor: ácido, independente e do contra. O mau humor também pode ser engraçado, e vale lembrar que todo humor é transgressor.
O estresse não compensa. Você gastou uma fortuna num vestido e, quando vai estreá-lo, dá de cara com um par de vaso. Seu marido disse que ia chegar às oito, mas chegou às dez. Sua mãe disse que iria buscar os ingressos do teatro, mas esqueceu. O hóspede que iria ficar só dois dias já está dando ordens para a empregada. Você é entrevistado por alguém que lhe chama o tempo inteiro de Fernanda, e você é Sílvia desde criancinha. O cachorro da sua amiga apaixonou-se perdidamente por sua perna. O pão acabou justo na hora do café. Sua meia-calça desfiou. Seu vôo atrasou. Seu cheque voltou. Ou você passa a ter mania de perseguição ou releva. Depende você sabe do quê.
Se você ainda não está totalmente convencida, pense em como faz falta o humor na vida de Itamar Franco e como sobra na de Rubinho Barrichello. Repare como aqueles que relativizam as derrotas têm menos rugas. Pense que, enquanto você controla horário de marido, arruma briga com o zelador e excomunga meio mundo porque sua unha quebrou, tem gente cuja filha foi metralhada na porta do colégio ou cujo pai dorme na rua em busca de uma senha para conseguir atendimento médico. Assovie.
O que as revistas femininas deveriam receitar é: não acredite em tudo o que ouve. Nem em tudo o que diz. Suspenda a descrença quando quiser prazer. Não subestime os outros, nem os idolatre demais. Seja educada, mas não certinha. Faça coisas que nunca imaginou antes. Não minta, nem conte toda a verdade. Dance sozinha quando ninguém estiver olhando. Divirta-se enquanto seu lobo não vem."



Martha Medeiros, Abril de 1998

Ao momento presente

"Deixe que ele respire, como uma coisa viva. E tenha muito cuidado: ele pode quebrar.

Como um bebê ou um cristal: tome-o nas mãos com muito cuidado. Ele pode quebrar, o momento presente. Escolha um fundo musical adequado — quem sabe, Mozart, se quiser uma ilusão de dignidade. Melhor evitar o rock, o samba-enredo, a rumba ou qualquer outro ritmo agitado: ele pode quebrar, o momento presente. Como um bebê, então, a quem se troca as fraldas, depois de tomá-lo nas mãos, desembrulhe-o com muito cuidado também. Olhe devagar para ele, parado no canto do quarto ou esquecido sobre a mesa, entre legumes, ou misturado às folhas abertas de algum jornal. Contemple o momento presente como um parente, um amigo antigo, tão familiar que não há risco algum nessa presença quieta, ali no canto do quarto. Como a uma laranja, redonda, dourada — mas sem fome, contemple o momento presente. Como a cinza de um cigarro que o gesto demorou demais, caída entre as folhas de um jornal aberto em qualquer página, contemple o momento presente. E deixe o vento soprar sobre ele.

Desligue a música, agora. Seja qual for, desligue. Contemple o momento presente dentro do silêncio mais absoluto. Mesmo fechando todas as janelas, eu sei, é difícil evitar esses ruídos vindos da rua. Os alarmes de automóveis que disparam de repente, as motos com seus escapamentos abertos, algum avião no céu, ou esses rumores desconhecidos que acontecem às vezes dentro das paredes dos apartamentos, principalmente onde habitam as pessoas solitárias. Mas não sinta solidão, não sinta nada: você só tem olhos que olham o momento presente, esteja ele — ou você — onde estiver. E não dói, não há nada que provoque dor nesse olhar.

Não há memória, também. Você nunca o viu antes. Tenha a forma que tiver — um bebê, um cristal, um diamante, uma faca, uma pêra, um postal, um ET, uma moça, um patim — ele não se parece a nada que você tenha visto antes. Só está ali, à sua frente, como um punhado de argila à espera de que você o tome nas mãos para dar-lhe uma forma qualquer — um bebê, um cristal, um diamante e assim por diante. E se você não o fizer, ele se fará por si mesmo, o momento presente. Não chore sobre ele. No máximo um suspiro. Mas que seja discreto, baixinho, quase inaudível. Não o agarre com voracidade — cuidado, ele pode quebrar. Não ria dele, por mais ridículo que pareça. Fique todo concentrado nessa falta absoluta de emoção. Não espere nada dele, nenhuma alegria, nenhum incêndio no coração. Ele nada lhe dará, o momento presente.

Deixe que ele respire, como uma coisa viva. Respire você também, como essa coisa viva que você é. Contemple-o de frente, igual àquela personagem de Clarice Lispector contemplando o búfalo atrás das grades da jaula do jardim zoológico. Você pode estender a mão para ele, tentar uma carícia desinteressada. Mas será melhor não fazer gesto algum.

Ele não reagirá, mesmo todo pulsante, ali à sua frente.Respire, respire. Conte até dez, até vinte talvez. Daqui a pouco ele vai começar a se transformar em outra coisa, o momento presente. Qualquer coisa inteiramente imprevisível? Você não sabe, eu não sei, ele não sabe: os momentos presentes não têm o controle sobre si mesmos. Se o telefone tocar, atenda. Se a campainha chamar, abra a porta. Quando estiver desocupado outra vez, procure-o novamente com os olhos. Ele já não estará lá. Haverá outro em seu lugar. E então, como a um bebê ou a um cristal, tome-o nas mãos com muito cuidado. Ele pode quebrar, o momento presente. Experimente então dizer "eu te amo". Ou qualquer coisa assim, para ninguém. "


Caio Fernando de Abreu

Como água para chocolate

"Como vê, todos nós temos em nosso interior os elementos necessários para produzir fósforo. E além disso deixe-me dizer-lhe algo que nunca confiei a ninguém.

Minha avó tinha uma teoria muito interessante: dizia que ainda que nasçamos com uma caixa de fósforos em nosso interior, não podemos acendê-los sozinhos porque necessitamos, como no experimento, de oxigênio e da ajuda de uma vela. Só que neste caso o oxigênio tem provir, por exemplo, do alento da pessoa amada.

A vela pode ser qualquer tipo de alimento, música, carícia, palavra ou som que faça disparar um detonador e assim acender um dos fósforos. Por um momento nos sentimos deslumbrados por uma intensa emoção. Se produzirá em nosso interior um agradável calor que irá desaparacendo pouco a pouco conforme passe o tempo, até que venha uma nova explosão a reavivá-lo.

Cada pessoa tem de descobrir quais são seus detonadores para poder viver, pois a combustão que se produz ao acender-se um deles é o que nutre de energia a alma. Em outras palavras, esta combustão é seu alimento.

Se uma pessoa não descobre a tempo quais são seus próprios detonadores, a caixa de fósforos se umedece e já não podemos acender um só fósforo. Se isso chegar a acontecer, a alma foge de nosso corpo, caminha errante pelas trevas mais profundas tentando em vão encontrar alimento por si mesma, ignorando que só o corpo que deixou inerme, cheio de frio, é o único que podia lhe dar isso.

Se alguém sabia disso era ela. Infelizmente tinha de reconhecer que seus fósforos estavam cheios de mofo e umidade. Ninguém podia voltar a acender um só."



Laura Esquivel. Como água para chocolate. 1993. pág. 94-95

Chorar faz bem



"(...) Comecei a ficar mais atenta às verdadeiras razões dos meus choros, que, aliás, costumam ser raros.

_Já aconteceu de eu quase chorar por ter tropeçado na rua, por uma coisa à-toa.

_É que, dependendo da dor que você traz dentro, dá mesmo vontade de aproveitar a ocasião para sentar no fio da calçada e chorar como se tivéssemos sofrido uma fratura exposta.

_Qualquer coisa pode servir de motivo.

_Chorar porque fomos multados, porque a empregada não veio, porque o zíper arrebentou bem na hora de sairmos pra festa.

_Que festa, cara-pálida?

_Por dentro, estamos em pleno velório de nós mesmos, chorando nossa miséria existencial, isso sim.

_Não pretendo soar melodramática, mas é que tem dias em que a gente inventa de se investigar, de lembrar dos sonhos da adolescência, de questionar nossas escolhas, e descobre que muita coisa deu certo, e outras não.

_Resolve pesar na balança o que foi privilegiado e o que foi descartado, e sente saudades do que descartou.

_Normal, normalíssimo. São aqueles momentos em que estamos nublados, um pouco mais sensíveis do que gostaríamos, constatando a passagem do tempo.

_Então a gente se pergunta: o que é que estou fazendo da minha vida?

_Vá que tudo isso passe pela sua cabeça enquanto você está trabalhando no computador.

_De repente, a conexão cai, e em vez de desabafar com um simples palavrão, você faz o quê?

_Cai no berreiro. Evidente.

_Eu sorrio muito mais do que choro, razões não me faltam para ser alegre, mas chorar faz bem, dizem.

_Eu não gosto. Meu rosto fica inchado e o alívio prometido não vem. Em público, então, sinto a maior vergonha, é como se estivesse sendo pega em flagrante delito.

_O delito de estar emocionada. Mas emocionar-se não é uma felicidade?

_Neste admirável mundo de contradições em que a gente vive, podemos até não gostar de chorar, mas trata-se apenas da nossa humanidade se manifestando: a conexão do computador, às vezes, cai; por outro lado, a conexão conosco mesmo, às vezes, se dá.

_Sendo assim, sou obrigada a reconhecer: chorar faz bem, não importa o álibi.

_É sempre a dor do crescimento. "


Tati Bernardi

Mulher de 30......


Cibele Santos

frases soltas



Caio Fernando de Abreu

Quando um não quer

“Volta e meia leio notícias sobre casais famosos que se separam depois de anos de relacionamento.
Quando são questionados sobre quem tomou a iniciativa do desenlace, a resposta quase sempre é um primor de civilidade: comum acordo. Um dia acordaram e descobriram juntos, às 9 horas, 24 minutos e 15 segundos, que o amor havia acabado. Cada um puxa sua mala de cima do armário e ruma para uma nova vida. Um serviço limpo.
Sei. Nem um expert em água-com-açúcar conseguiria criar uma cena tão inverossímil. Ninguém deixa de amar o outro no mesmo instante em que deixou de ser amado. Se isso fosse possível, a palavra rejeição seria banida do vocabulário. A verdade é que sempre tem alguém que toma a iniciativa de romper, e mesmo que as coisas estejam péssimas, mesmo que não haja outra solução a não ser o divórcio, quem fala primeiro levanta mais rápido.
Comum acordo, só na hora de se aproximar. O casal se estuda, se procura, se encontra e o primeiro beijo vem com garantia de reciprocidade. Daí em diante é festa. Até que ambos, em silêncio, começam a avaliar o relacionamento. Os lábios ainda se tocam, mas os cérebros mal se cumprimentam. Casa um analisa o que está acontecendo sob um prisma absolutamente particular, até que um deles solta o verbo e se despede. Sobra aquele que ficou quieto.
Não existe separação sincronizada, e essa talvez seja a grande dor do adeus. Quem é dispensado carrega a mágoa de não ter sido consultado, de não ter tido a delicadeza de um aviso prévio, e pior, de ver-se frente a frente com um destino que lhe foi imposto. Mesmo não havendo mais amor, o orgulho fica sempre machucado.
Fim de caso é dor dividida: os dois lados sofrem com a saudade e a frustração. Mas o dono das rédeas, o que teve a coragem de deter a carruagem no meio do caminho, esse tem sua dor diluída na força que lhe foi conferida pela decisão. A combinação é cada um ir para o seu lado, mas apenas um consegue partir. O outro fica ali, parado, procurando entender a imensa distância que as palavras podem provocar.
Solução? Faro fino e rapidez. O cara diz: preciso falar com você, e você responde: sem problema, pode ficar com as crianças nas quartas e sábados. Ele diz: tenho o maior carinho por você, mas... e você emenda: eu entendo, eu também me apaixonei por outra pessoa. Isso é que é diálogo de primeiro mundo, não aquele duelo de gaguejos, acusações e histerismo. Já sabe: se hoje à noite ele vier com um papo tipo: olha, eu queria... nem deixe o safado continuar. Encerre você o assunto: pode ficar com os discos do Piazolla, mas o microondas é meu. Prevenção nunca é demais. Talvez ele queira apenas convidá-la para jantar, mas vá saber.”


Martha Medeiros, janeiro de 1998

sábado, 24 de outubro de 2009

A primeira vez


"Você sempre me disse que sua maior mágoa era eu nunca ter escrito um texto sobre você. Nem que fosse te xingando, te expondo. Qualquer coisa.


Você sempre foi o único homem que me amou. E eu nunca te escrevi nem uma frase num papelzinho amassado.


Você sempre foi o único amigo que entendeu essa minha vontade de abraçar o mundo quando chega a madrugada. E o único que sempre entendeu também, depois, eu dormir meio chorando porque é impossível abraçar sequer alguém, o que dirá o mundo.


Talvez eu devesse ter escrito um texto para você, quando eu te pedi a única coisa que não se pede a alguém que ama a gente “me faz companhia enquanto meu namorado está viajando?”. E você fez. E você me olhava de canto de olho, se perguntando porque raios fazia isso com você mesmo. Talvez porque mesmo sabendo que eu não amava você, você continuava querendo apenas me olhar. E eu me nutria disso. Me aproveitava. Sugava seu amor para sobreviver um pouco em meio a falta de amor que eu recebia de todas as outras pessoas que diziam estar comigo.


Depois você começou a namorar uma menina e deixou, finalmente, de gostar de mim. E eu podia ter escrito um texto para você. Claro que eu senti ciúmes e senti uma falta absurda de você. Mas ainda assim, eu deixei passar em branco. Nenhuma linha sequer sobre isso.


E eu sempre amei infinitamente mais a sua companhia do que qualquer companhia do mundo, mesmo eu nunca tendo demonstrado isso. E, ainda assim, nunca, nunquinha, eu escrevi sequer uma palavra sobre você.


Até hoje. Até essa manhã. Em que você, pela primeira vez, foi embora sem sentir nenhuma pena nisso. Foi a primeira vez, em todos esse anos, que você simplesmente foi embora. Como se eu fosse só mais uma coisa da sua vida cheia de coisas que não são ela. E que você usa para não sentir dor ou saudade. Foi a primeira vez que você deixou eu te olhar, mesmo você não gostando de mim.


E foi por isso, porque você deixou de ser o menino que me amava e passou a ser só mais um que me usa, que você, assim como todos os outros, mereceu um texto meu."






Tati Bernardi

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Canção na plenitude

"Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.

Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.

Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias."


Lya Luft

O sempre amor




"Amor é a coisa mais alegre

amor é a coisa mais triste


amor é a coisa que mais quero.


Por causa dele falo palavras como lanças.


Amor é a coisa mais alegre


amor é a coisa mais triste


amor é a coisa que mais quero.


Por causa dele podem entalhar-me,


sou de pedra sabão.


Alegre ou triste,


amor é a coisa que mais quero"



Adélia Prado

DICAS INFALÍVEIS PRA DAR TUDO ERRADO

"Esses dias, vendo uma capa de revista masculina, notei uma coisa curiosa. A chamada na capa: Sete dicas poderosas para adiar seu casamento. Uau! É esse tipo de mensagem que passam para os homens em revistas masculinas? Não apenas: vejam peitos, bundas e úteros escancarados, mas também “adie seu casamento”. Curioso. A mensagem que nossa sociedade machista passa o tempo todo é: ter uma mulher só é ruim. Ter várias peladas é bom. Logo, pra que se comprometer? Adie o sofrimento!
É cada vez menos provável que homens e mulheres dêem certo juntos. O que se vê nas revistas femininas (tão machistas quanto as revistas masculinas) é: não sei quantas dicas infalíveis para manter seu casamento, não sei quantas dicas infalíveis para apimentar sua relação, não sei quantas dicas infalíveis para seduzir seu marido. Tem até mulher dando “curso de sedução” pras outras mulheres pra elas esquentarem seus casamentos e evitar que seus maridos procurem alguma coisa fora de casa. Enquanto as revistas masculinas e o resto da sociedade diz: veja fulana pelada, veja o útero da beltrana em nova posição, dicas para pegar todas na balada. E agora mais essa: dicas para adiar seu casamento.
Como se nós, mulheres, estivéssemos implorando aos homens: casem-se com a gente, por favor! Até concordo que isso exista ainda, sim. Em cidades do interior com menos de cem habitantes onde não chegou luz e televisão ainda, e em vilarejos pouco povoados no pólo norte, onde o clima extremamente frio atrapalha o desenvolvimento mental e intelectual. Fora isso, acredito que homem algum precise de dica pra adiar seu casamento. É bem mais simples, basta não se casar. Tem homem que se casa como se estivesse fazendo um grande favor pra mulher. Gente, como casamento ou qualquer relação pode dar certo assim? Um lado é educado pra pegar todas, nunca ser fiel, pagar por sexo sem compromisso e não querer casar. O outro lado é educado pra casar, ser uma boa esposa, seduzir o marido na cama por 50 anos pro casamento não acabar e, se acabar, a culpa é da mulher que não foi boa o suficiente pra segurar o cara. Ah, me poupem!
Nunca ouvi falar em curso pra homem aprender a ser mais paciente, mais tolerante, mais fiel ou ouvir melhor. Por que não tem na capa das revistas: Sete dicas poderosas para compreender melhor o que sua mulher está dizendo e como manter um diálogo coerente? Ou quem sabe: Sete dicas infalíveis de como se atrair por sua mulher ao invés de precisar comprar revistas de mulher pelada aos 30 anos de idade. Ou ainda: Saiba qual a idade ideal pra se casar, pra assumir responsabilidades e para crescer (crescer como ser humano e não a barriga de chope).
Dá pra perceber que há uma distância enorme entre o que a sociedade ensina pras mulheres e o que ensina pros homens?! A mulher mais velha que não se casou é encalhada. O homem mais velho que não se casou é um bon vivant (que provavelmente soube usar muito bem as sete dicas poderosas das revistas masculinas de como adiar seu casamento). Enquanto a gente viver numa sociedade machista (voltada única e exclusivamente pro pinto do homem), vamos viver dando cabeçadas por aí, e homens e mulheres nunca vão se entender. Acredito que o futuro da humanidade tem um só destino: os homens trancados no banheiro com revistas de mulher pelada e as mulheres fazendo curso de como seduzir marido dançando em volta do poste. Cada um no seu canto."




Brena Braz

Vinte e quatro motivos para ir a uma balada gay (por uma hetero)



"-Em primeiríssimo lugar: são as melhores pra dançar. Tanto pela música quanto pela animação da pista.
-Você nunca vai precisar pagar o mico de inaugurar a pista. Festas gays já estão sempre bombando ainda que você chegue cedo. Eles começaram a festejar há mil anos e nunca mais pararam e nem vão.
-Festas gays também nunca acabam, apesar de acabarem sempre em algum lugar ainda mais maluco.
-Só os gays entendem que dançar como uma devassa louca é super divertido e não quer dizer que você está a fim de sexo (muito menos de ser tratada como uma devassa louca).
-Por mais ridículo, insano ou indecente que seja qualquer ato que você cometer, terá sempre alguém fazendo algo pior.
-Se você estiver linda vai causar inveja ao invés de desejo. No fundo, é o que toda mulher prefere.
-Você não precisa ficar na dúvida se o cara é gay. Ele é.
-Se um cara falar que é macho, acredite. Precisa ser macho para ir a uma balada gay.
-Homem idiota briga pra mostrar que é homem (e idiota). Como ali ninguém quer mostrar nada e só se divertir, dificilmente sai porrada. (No máximo uns tapinhas na cara interrompidos quando toca Madonna ou Justin).
-Caminhar um metro sem ter cabelos puxados, ombros cutucados e cintura beliscada é o sonho de qualquer mulher bacana (se você fica contente quando mexem com você na obra você não é bacana e, pior, precisa urgente de um nutricionista).
-As “acéfalas-nasaladas-alisadas-caçadoras-de-namoradinhos-ricos-que-fazem-o-símbolo-de-paz-e-amor-de-ladinho-para-fotos-de-blogs-de-balada-playba” só vão nesses lugares quando estão super deprimidas e costumam vomitar em suas botas de camurça e franginha (e sola vermelha) inviabilizando as mesmas (e você, uma mulher bacana, injustamente mal tratada no colégio por não ser exatamente linda, pode se vingar delas).
-Às vezes, por alguma razão obscura da psique feminina, a sensação de dançar “encoxada” por doze amigos sarados, bem vestidos, cheirosos e felizes, melhora muito a auto-estima, ainda que na cama você termine sempre cercada unicamente por farelos do pacote de Amanditas.
-Estar num ambiente cheio de homens lindos que não te desejam e A CULPA NÃO SER SUA é libertador.
-Ao invés de sair da balada certa (mais uma vez) de que o pai dos seus filhos definitivamente não está numa balada, você já chega na balada com essa certeza. Poupa um tempo precioso.
-É badala pra exorcizar ao invés de ficar pagando de gata. E pagar de gata (empina bunda, chupa a barriga, arrebita os peitos, equilibra no salto, faz cara de mistério…) dá gases.
-Quando você não quer agradar os homens, acaba agradando. Os poucos e valentes (e descolados!) machos da casa certamente vão reparar positivamente em você.
-Toca Friendly Fires, Beck, Amy Winehouse, Basement Jaxx, Daft Punk, Hot Chip, Justice, LCD SoundSystem e o melhor do rock indie do momento numa versão “remix feliz, não se mate ainda”.
-Seu ex namorado não vai estar lá, o que significa que você não vai voltar pra casa querendo morrer (ou com ele, o que é pior). E se ele estiver lá, baby, tá tudo explicado.
-Se todo mundo dançar “moooito” e começar a suar, bicha não fede. No máximo “cheira” almiscarado.
-As poposudinhas de calças apertadas estão seguras: ninguém vai passar a mão na bunda delas. (ou vão mas é pra descobrir se a etiqueta da Diesel é falsa, ou seja, é pro bem).
-Não tem essa coisa machista tosca de “mulher até meia noite paga menos”. Você está lá como um deles, ou vice-versa (fiquei confusa agora).
-Gastar uma fortuna em roupas, sapatos, brincos, maquiagem e cabeleireiro finalmente poderá ser valorizado. (já a calcinha você pode botar aquela de algodão com o elástico esgarçado mesmo, bem mais confortável pra se acabar de dançar).
-Se um cara pedir seu telefone, ele com certeza vai ligar no dia seguinte. Gay adora manter contato (ainda mais se o seu primo tiver ido junto com você).
-Se você encalhar na balada, tudo bem: todas as mulheres a sua volta encalharam também!"




Tati Bernardi

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Não basta Amar


“Por mais que o poder e o dinheiro tenham conquistado uma ótima posição no ranking das virtudes. O amor ainda lidera com folga. Tudo o que todos querem é amar. Encontrar alguém que faça bater forte o coração e justifique loucuras. Que nos faça entrar em transe, cair de quatro, babar na gravata. Que nos faça revirar os olhos, rir à toa, cantarolar dentro de um ônibus lotado. Tem algum médico aí?

Depois que acaba essa paixão retumbante, sobra o quê? O amor. Mas não o amor mistificado, que muitos julgam ter o poder de fazer levitar. O que sobra é o amor que todos conhecemos: o sentimento que temos por mãe, pai, irmão, filhos e amigos. É tudo o mesmo amor, só que entre amantes existe o sexo. Não existem vários tipos de amor, assim como não existem três tipos de saudade, quadro de ódio, seis espécies de inveja. O amor é único, como qualquer sentimento, seja ele destinado a familiares, ao cônjuge, ou a Deus. A diferença é que, como entre marido e mulher não há laços de sangue, a sedução tem que ser ininterrupta. Por não haver nenhuma garantia de durabilidade, qualquer alteração no tom de voz nos fragiliza, e de cobrança em cobrança acabamos por sepultar uma relação que poderia ser eterna.

Casaram. Te amo pra cá, te amo pra lá. Lindo, mas insustentável. O sucesso de um casamento exige mais do que declarações românticas. Entre duas pessoas que resolvem dividir o mesmo teto tem que haver muito mais que amor, e às vezes nem necessita um amor tão intenso. É preciso que haja, antes de mais nada, respeito. Agressões zero. Disposição para ouvir argumentos alheiros. Alguma paciência. Amor, só, não basta.

Não pode haver competição. Nem comparações. Tem que ter jogo de cintura para acatar regras que não foram previamente combinadas. Tem que ter bom humor para enfrentar imprevistos, acessos de carência, infantilidades. Tem que saber relevar. Amar, só, é pouco.

Tem que haver inteligência. Um cérebro programado para enfrentar tensões pré-menstruais, rejeições, demissões inesperadas, contas pra pagar. Tem que ter disciplina para educar os filhos, dar exemplo, não gritar. Tem que ter um bom psiquiatra. Não adianta, apenas, amar.

Entre casais que se unem visando a longevidade do matrimônio tem que haver um pouco de silêncio, amigos de infância, vida própria, independência, um tempo para cada um. Tem que haver confiança. Uma certa camaradagem: às vezes fingir que não viu, fazer de conta que não escutou. É preciso entender que união não significa, necessariamente, fusão. E que amar, solamente, não basta.

Entre homens e mulheres que acham que amor é só poesia tem que haver discernimento, pé no chão, racionalidade. Tem que saber que o amor pode ser bom, pode durar para sempre, mas que sozinho não dá conta do recado. O amor é grande mas não é dois. É preciso convocar uma turma de sentimentos para amparar esse amor que carrega o ônus da onipotência. O amor até pode nos bastar, mas ele próprio não se basta.”


Martha Medeiros (novembro de 1997.)

Mulher de 30......


Cibele Santos

frases soltas


Caio Fernando de Abreu

NADA MAIS BONITO DO QUE UM CASAL ADMIRANDO-SE

"Não vejo o amor sem a admiração. Admirar é desejar ser igual estando junto. Admirar-se. Admirar a gentileza do homem jurando por Deus. Admirar sua lealdade com os amigos. Admirar seu jeito esforçado de assumir as contas. Admirar seu cuidado treinado com os idosos, cedendo assentos e lugares nas frases. Admirar os princípios herdados dos pais. Admirar sua masculinidade em sobrecarregar no abraço. Admirar seu riso infantil, sua ingenuidade no tropeço. Admirar sua vivacidade em brincar. Admirar, admirar-se. Admirar a conversa que tem com o filho sobre quem cuida de Deus. Admirar seu temperamento sereno em noites de chuva. Admirar sua inquietude para sair com o sol. Admirar sua concentração numa música nova. Admirar inclusive quando ele amarra os sapatos, debruçado como a água nas escadas. Admirar seu nervosismo nas provas, nos concursos, nos exames do trabalho. Admirar sua letra com ânsias de terminar. Admirar sua falta de jeito em dançar, compensada pela alegria de estar contigo. Admirar seu modo de transar, sua fixação por poltronas. Admirar quando ele interdita o dia para arrumar aparelhos quebrados. Admirar o perfeccionismo que o impede de ser totalmente seu. Admirar quando ele dorme no meio do filme e finge que assistia. Admirar suas mentiras encabuladas. Admirar, admirar-se. Admirar sua disposição em ser mais velho no medo e ser mais novo no aniversário. Admirar suas meias sem par na gaveta, suas fotos esquecidas de datas, seus recados de telefone faltando números. Admirar sua capacidade em desmemoriar compromissos. Admirar ao circular o sabão nos seios como se fosse uma vidraça. Admirar seu talento em provocar amizades no trem ou na rua, pouco preocupado em se preservar. Admirar quando urra desaforos no estádio, logo ele tão civilizado, tão cordato na família. Admirar quando chora e não se enxerga lágrimas, um choro de soluços, recalcado. Admirar sua vocação para pegar a joaninha da gola e a pôr novamente na grama. Admirar como disfarça que perdeu um botão abrindo as mangas ou o zíper quebrado colocando a camisa para fora. Admirar suas palavras de amor, incompreensíveis, mas terrivelmente musicais, e dizer "não entendi", para escutar outra vez. Admirar suas calças apertadas, justas como minhas pernas nas dele na cama. Admirar sua respiração pesarosa com o luto. Admirar sua caça de baratas voadoras pela sala e perceber que ele tem mais pavor do que eu. Admirar quando gosta de um livro e me conta tudo como se eu nunca fosse ler. Admirar quando fica bêbado e se enrola no cobertor do meu casaco, desculpando-se por aquilo que ainda não fez. Admirar seus roubos nos tabuleiros de criança. Admirar sua dificuldade em se livrar dos pijamas gastos. Admirar sua barba por fazer em minhas coxas. Admirar quando me busca antes de pedir.

Pode-se admirar um homem sem amá-lo. Mas não amar um homem sem admirá-lo."

Fabricio Carpinejar


Presença


"É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,

teu perfil exato e que, apenas, levemente,

o vento das horas ponha um frêmito em teus cabelos...

É preciso que a tua ausência trescale sutilmente, no ar,

a trevo machucado,

a folhas de alecrim desde há muito guardadas

não se sabe por quem, nalgum móvel antigo...

Mas é preciso também que seja como abrir uma janela

e respirar-te, azul e luminosa, no ar.

É preciso a saudade para eu te sentir

como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...

Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista

que nunca te pareces com o teu retrato...

E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!"

Mário Quintana

domingo, 11 de outubro de 2009

Sur-pre-sa!

"Final de tarde, mormaço, trânsito. Você está literalmente em frangalhos.Trabalhou 10 horas direto, resolveu um monte de pepinos e tudo o que deseja é chegar em casa, tomar um banho, botar uma camiseta limpa e atirar-se na cama com a última Caras. Bendita alienação. Falta pouco agora, você já está com a chave na porta. Entrou. Acendeu a luz. Sur-pre-sa!!!


Balões caem sobre a sua cabeça. Faixas estão penduradas com durex nas paredes recém-pintadas. Alguém descobriu que você gosta de Claudinho e Buchecha e todos cantam "Sabe, tiu-iu-iu-iu, eu tô louco pra te ver, oh yes". Adeus banho, adeus cama, adeus Caras. Lembraram do seu aniversário.Esqueça que é uma pobre mulher cansada: você agora é uma anfitriã.


Surpresa é um acontecimento imprevisto. Você tem 16 anos, transa pela primeira vez com o primeiro namorado e nove meses depois, sur-pre-sa!! Você diz no telefone para sua tia-avó que ela pode aparecer quando quiser, e domingo de manhã, sur-pre-sa!! Seu irmão diz que está apaixonado e saca uma foto da carteira: sur-pre-sa!! Sua futura cunhada usa barba e se chama Diogo.


Surpresa é um susto. Uma taquicardia. Uma cilada. Diz o Aurélio Buarque de Holanda que não, que é apenas um prazer inesperado. Sei: aumento espontaneo de salário, Brad Pitt mudando-se para o seu prédio, um caça-talentos descobrindo você na rua e lhe transformando na mais nova sensação das passarelas de Milão. Acorda! Surpresa é uma mulher da sua idade acreditar em abracadabra.


Gosto, isso sim, de prazeres esperados, conquistados, desejados. O grande barato está em surpreender-se a si mesmo, conseguindo aquilo que tanto se batalhou para ter, seja um estado de espírito ou um apartamento novo. Coisas que caem do céu, mesmo boas, às vezes podem chegar num momento errado, podem não ser curtidas como deveriam por estar fora de lugar, fora de época: talvez você esteja ocupada demais com outras coisas para dar à surpresa o seu devido valor. Planejar a vida, ao contrário do que muitos pensam, não é uma forma de evitar emoção. É uma forma de deixar aporta aberta para que ela não precise arrombar você.


A previsibilidade é um oásis. Se um dinheiro surge de repente na minha conta, acho uma incomodação. Quero antes um extrato, um recibo de depósito, gosto de saber a origem de tudo. Se alguém quer me dar um anel de brilhantes, que não esconda embaixo do meu travesseiro ou dentro do pastel que estou comendo: coloque logo no meu dedo e diga que me ama, está ótimo assim. Se alguém quer me visitar, telefone marcando. Se quer me comprar uma saia, descubra antes em que estado estão minhas pernas. Estudem-me. Surpreendam-me acertando."


Martha Medeiros (Outubro de 1997)


Mulher de 30......



Cibele Santos

frases soltas




Martin Luther King


Idade para ser feliz

“...Existe somente uma idade para a gente ser feliz.
Somente uma época na vida de cada pessoa
em que é possível sonhar e fazer planos,
e ter energia bastante para realizá-los
a despeito de todas as dificuldades e obstáculos.
Uma só idade para a gente se encantar com a vida
e viver apaixonadamente e desfrutar tudo com toda intensidade
sem medo nem culpa de sentir prazer.
Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida
à nossa própria imagem e semelhança,
e vestir-se com todas as cores,
e experimentar todos os sabores,
e entregar-se a todos os amores,
sem preconceito nem pudor.
Tempo de entusiasmo e coragem
em que todo desafio é mais um convite à luta;
que a gente enfrenta com toda disposição de tentar algo novo,
de novo e de novo, e quantas vezes for preciso.
Essa idade tão fugaz na vida da gente chama-se PRESENTE,
e tem a duração do instante que passa...”

Mário Quintana

O que esperar da vida

“O que esperar da vida?
Nada!
A vida pede atitude,
ela espera de nós!
Somente com ação podemos ver a reação,
ninguém vai ganhar na loteria se não jogar,
ninguém vai colher o que não plantou.

O que esperar da vida?
Nada!
O luto não vai acabar,
se você ficar remoendo imagens,
se não der alívio para a sua alma.
O amor não vai chegar,
se você não se abrir amorosamene para o novo.
O trabalho não vai vir te procurar,
ele espera a sua atitude.

O que esperar da vida?
Quem espera alguma coisa, nada alcança.
Quem corre atrás dos seus sonhos,
quem quer a fruta mais gostosa da árvore,
pode até não conseguir apanhá-la,
mas com certeza, com paciência e determinação
a fruta vai ficar madura e cair no chão,
prêmio saboroso para quem não desistiu.

A vida pede persistência, dedicação e amor.

Não espere nada da vida,
plante sonhos, cultive sementes amorosas,
regue as mudas da alma,
e colha flores e frutos amadurecidos
pela experiência do viver,
conquista de ser melhor a cada dia,
ser mais você!”

Paulo Roberto Gaefke

Carta de Seth

"Sou feito de sentimentos, emoções, de luz, de amor.
Sou a voz que você ouve quando pede um conselho.
Sou quem te toma nos braços quando necessita, talvez, agora, enquanto lê essas palavras, eu esteja aí, ao seu lado.
Olhando dentro dos seus olhos como quem quisesse enxergar o que teu coração demonstra, mais tarde...
à noite, quando você se deita...
sou quem nina seus sonhos sentado ao seu lado esperando você dormir...
dizendo que tudo vai ficar bem.
Se ao menos você pudesse me perceber, se notasse o que sinto ao seu lado...
basta você querer, basta por alguns instantes esquecer seus problemas, fechar os olhos, como se nada mais existisse, me deixe chegar perto de ti...
te abraçando...
sinta meu coração batendo ao compasso do teu...
sinta que não está sozinha, nunca esteve!
Apenas esqueceste de olhar mais com os olhos do teu coração...
então abra os olhos...
veja os meus...
me conheça.
Quem sou eu pra pedir para que me note?
Apenas um anjo que se deixa levar por suas emoções, que desconhece o que é errado...
se entrega, se rende...
vagando por estrelas, nuvens, pelo céu escuro da noite...
olhando pelos outros, despertando amores, anseios, paz nas almas que fraquejam, sentado ali de cima olhando você...
te observando...
deixando, às vezes, uma lágrima cair e se fazer uma gota de sereno que te toca os lábios...
lágrima essa por não poder nada mais que apenas te ver...
sentir sem poder tocar.
Manifestando através de pequenas coisas, como um sorriso sincero nos lábios de alguém que você não conhece, o toque de uma criança a te fazer carinho, palavras escritas nas páginas de um livro que te chamam atenção, palavras que mexem e emocionam o coração ditas do nada, como um sussurro em seu ouvido...
e se um dia uma brisa leve e suave tocar seu rosto, não tenha medo, é apenas minha saudade que te beija em silêncio.
Os humanos têm um hábito muito peculiar de julgar seus semelhantes por sua aparência, de rotular pessoas as quais nunca viram...
apenas pelo modo como ela se apresenta...
porém, consigo ver dentro de cada um o que realmente são...
e me assusto algumas vezes em como podem os humanos deixar-se levarem por embalagens, por invólucros...
deixam de terem muitas vezes ao seu lado verdadeiros tesouros, amizade sincera, lealdade, companheirismo...
simplesmente por não terem gostado do rosto do indivíduo.
Imagine uma roseira cheia de espinhos, ninguém acreditaria que dela pudesse brotar uma rosa tão bela, sensível e delicada . É do interior que nascem as flores.
Pude conhecer seu interior...
me deparei com uma flor linda...
e com muitas qualidades.
Se preserve assim...
muitas vezes é melhor sermos o que realmente somos...
a viver como as pessoas acham que deveríamos ser...
Não existe ninguém melhor, ou pior que ninguém...
apenas diferentes umas das outras e essas diferenças são que mostram quem realmente você é.
Fico assim...
dizendo as coisas que me aparecem dentro do peito, contando o que se passa em mim, como se estivesse desabafando...
pois Deus nos fez para cuidar dos outros...
e quem cuidará de nós?
Continuarei aqui...
meio que escondido, ao teu lado, te olhando, te sentindo...
esperando para que um dia você deixe seu coração "olhar" e me ver...
daí, enfim, poderia eu mostrar o quanto você é especial pra mim.
Um poema deixado no ar, palavras implorando para viver como uma estrela que o dia não vê e que espera a noite chegar para poder mostrar-se, a canção de amor que sai da sua boca...
são as coisas que sempre sussurro ao seu coração, tento traduzir emoções que nunca senti antes, algo realmente novo pra mim, paz, atração, paixão, amor, algo especial...
sincero...
verdadeiro."
Filme Cidade dos Anjos

O Profeta


"Vossa razão e vossa paixão são o leme e as velas de vossa alma navegante.


Se vossas velas ou vosso leme se quebrarem, só podereis balançar à deriva ou ficardes parados no meio do mar.


Pois se a razão governar sozinha , será uma força limitadora; e uma paixão ignorada é uma chama que arde até sua própria destruição.


Deixai , portanto, que vossa alma eleve vossa razão até a altura da paixão, para que possa cantar;


E deixai que ela dirija vossa paixão com vossa razão , para que a paixão possa viver através de sua própria ressureição cotidiana, e que ressurja qual fênix de suas próprias cinzas..."


Gibran K. Gibran

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O que quer uma mulher

"Um bebê nasce. O médico anuncia: é uma menina! A mãe da criança,então, se põe a sonhar com o dia em que a sua princesinha terá um namorado de olhos verdes e casará com ele, vivendo feliz para sempre.A garotinha ainda nem mamou e já está condenada a dilacerar corações.Laçarotes, babados, contos de fadas: toda mulher carrega a síndrome deWalt Disney.

Até as mais modernas e cosmopolitas têm o sonho secreto de encontrarum príncipe encantado. Como não existe um Antonio Banderas para todas, nos conformamos com analistas de sistemas, gerentes de marketing, engenheiros mecânicos. Ou mecânicos de oficina mesmo, a situação não anda fácil. Serão eles desprezíveis? Que nada. São gentis, nos ajudam com as crianças, dão um duro danado no trabalho e têm o maior prazer em nos levar para jantar. São príncipes à sua maneira, e nós, cinderelas improvisadas, dizemos sim! sim! sim! diante do altar; mas,lá no fundo, a carência existencial herdada no berço jamais será preenchida.

Queremos ser resgatadas da torre do castelo. Queremos que o nosso pretendente enfrente dragões, bruxas, lobos selvagens. Queremos que ele sofra, que vare a noite atrás de nós, que faça tudo o que o José Mayer, o Marcelo Novaes e o Rodrigo Santoro fazem nas novelas.Queremos ouvir "eu te amo" só no último capítulo, de preferência num saguão de aeroporto, quando ele chegará a tempo de nos impedir de embarcar.

O amor na vida real, no entanto, é bem menos arrebatador. "Eu te amo"virou uma frase tão romântica quanto "me passa o açúcar". Entre casais, é mais fácil ouvir eu "te amo" ao encerrar uma ligação telefônica do que ao vivo e a cores. E fazem isso depois de terem se xingado por meia-hora. "Você vai chegar tarde de novo? Tenha a santa paciência, o que é que você tanto faz nesse escritório? Ontem foi a mesma coisa, que inferno! Eu é que não vou preparar o jantar para você às dez da noite, te vira. Tchau, também te amo." E batem o telefone possessos.

Sim, sabemos que a vida real não combina com cenas hollywoodianas.Sabemos que há apenas meia dúzia de castelos no mundo, quase todos abertos à visitação de turistas. Sabemos que os príncipes, hoje, andam meio carecas, usam óculos e cultivam uma barriguinha de chope. Não são heróicos nem usam capa e espada, mas ao menos são de carne e osso, e a maioria tentaria nos resgatar de um prédio em chamas, caso a escada magirus alcançasse o nosso andar. Não é nada, não é nada, mas já é alguma coisa.

Dificilmente um homem consegue corresponder à expectativa de uma mulher, mas vê-los tentar é comovente. Alguns mandam flores, reservam quarto em hotéizinhos secretos, surpreendem com presentes, passagens aéreas, convites inusitados. São inteligentes, charmosos, ousados,corajosos, batalhadores.Disputam nosso amor como se estivessem numa guerra, e pra quê? Tudo o que recebem em troca é uma mulher que não pára de olhar pela janela,suspirando por algo que nem ela sabe direito o que é. Perdoem esse nosso desvio cultural, rapazes. Nenhuma mulher se sente amada o suficiente."


terça-feira, 6 de outubro de 2009

Mulher de 30......

Cibele Santos

frases soltas


Clarice Lispector

Afinidades

"A Afinidade é um dos poucos sentimentos que resistem ao tempo e ao depois.

A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos.

É o mais independente também.

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades.

Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto no exato ponto em que foi.

Ter afinidade é muito raro.

Mas, quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.

Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatosque impressionam, comovem ou mobilizam.

É ficar conversando sem trocar palavras.

É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com,

Não é sentir contra,

Nem sentir para,

Nem sentir por,

Nem sentir pelo.

Quanta gente ama loucamente,mas sente contra o ser amado.

Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.

É olhar e perceber.

É mais calar do que falar, ou, quando é falar, jamais explicar: apenas afirmar...

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças.

É conversar no silêncio, tanto nas possibilidades exercidas quanto das impossibilidades.

Afinidade é retomar a relação no ponto em que parou sem lamentar o tempo de separação.

Porque tempo e separação nunca existiram.

Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida.para que a maturação comum pudesse se dar.

E para que cada pessoa pudesse e possa ser,cada vez mais a expressão do outrosob a forma ampliada do eu individual aprimorado. "


Arthur da Tavola

Supondo o errado




“Suponhamos que eu seja uma criatura forte, o que não é verdade.
Suponhamos que ao tomar uma resolução eu a mantenha, o que não é verdade.
Suponhamos que eu escreva um dia alguma coisa que desnude um pouco a alma humana,
o que não é verdade.
Suponhamos que eu tenha sempre o rosto sério que vislumbro de repente no espelho ao lavar as mãos, o que não é verdade.
Suponhamos que as pessoas que eu amo sejam felizes, o que não é verdade.
Suponhamos que eu tenha menos defeitos graves do que tenho, o que não é verdade. Suponhamos que baste uma flor bonita para me deixar iluminada, o que não é verdade. Suponhamos que eu esteja sorrindo logo hoje que não é dia de eu sorrir, o que não é verdade. Suponhamos que entre os meus defeitos haja muitas qualidades, o que não é verdade. Suponhamos que eu nunca minta, o que não é verdade.
Suponhamos que um dia eu possa ser outra pessoa e mude de modo de ser,
o que não é verdade."




Clarice Lispector

O amor é uma doença


Eu não sei guardar coisas. Se eu compro chocolates, como todos no mesmo dia. Detesto saber que algo me espera, quero acabar logo com aquilo. Não sei lidar com a responsabilidade da felicidade. A felicidade guardada na bolsa ou na vida. Eu tenho um homem lindo me esperando essa hora, e eu quero com todas as células do meu corpo ir ao encontro dele.


Mas eu não sei lidar com tanta felicidade, por isso estou planejando a morte dele. Estou planejando matá-lo com minha estupidez, quero que ele morra fulminado pelas minhas armas de boicote. Quero que ele perceba o quanto sou chata, ciumenta, louca e doente. E que ele enjoe logo da minha cara abatida de intensidade.


Que ele pegue logo bode do meu cansaço em viver tanto, porque vivo muito mesmo quando estou deitada olhando para um ponto fixo. É tão cansativo ser eu mesma com todos os meus medos e neuroses, e quero que ele sinta o fardo do meu peso. Morra e me liberte dessa alegria incontrolável. Você me roubou de mim mesma. E eu sou tão ciumenta que estou com ciumes de mim.


Você me tirou da minha vida incompleta. E me transformou numa completa idiota. O amor é uma doença. Eu sinto náuseas, febres, dores musculares. Eu acordo assustada no meio da noite.E esse mundo é tão novo pra mim que eu estou pequena nele, e preciso de você o tempo todo para me abraçar e dizer que está tudo bem. E quando você não está por perto, eu caio. Porque não sei nada desse mundo de alegrias e coisas bonitas.


Você não me deu saída. Você transformou todas as vozes que me davam escapatórias para outros corredores, em sons sem lábia. A nova vida que quero viver ao seu lado. Ao lado do homem que eu odeio porque nunca amei tanto. Ao lado da felicidade que eu odeio porque se ela acabar, não sei mais se consigo voltar pra casa. E nem se quero.


Era eu, entende? Era eu que me atracava com o lado errado da vida para estar sempre certa. Era eu a resposta para todas as perguntas que ninguém tem coragem de perguntar. Sim, o mundo é imperfeito, as pessoas traem, o amor não existe. Agora eu estou aqui, inconformada com o seu passado, querendo matar suas lembranças.


Com ciumes do seu silêncio porque ele está com você há mais tempo do que eu e eu tenho medo do quanto ele te consome, com ciumes do seu sono porque ele te leva do meu foco. Com raiva da sua importância porque ela me congela, com raiva do tempo que não dura para sempre quando você me olha sabendo das minhas loucuras e ainda assim me amando. Agora eu estou aqui, querendo que todos os amores do mundo durem para sempre, e que nenês nasçam, e que árvores cresçam e que garotas vagabundas não nos invejem e que os desejos das nossas sombras não nos traia.


Pode parecer maluco, mas todas as minhas súplicas para que você desista de mim, é um jeito maluco de pedir que você não desista nunca, pelo amor de Deus.

Tati Bernardi

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

frases soltas


Caio Fernando de Abreu

Mulher de 30......



Cibele Santos

Ser Só


"Nunca fui como todos

Nunca tive muitos amigos

Nunca fui favorita

Nunca fui o que meus pais queriam

Nunca tive alguém que amasse

Mas tive somente a mim

A minha absoluta verdade

Meu verdadeiro pensamento

O meu conforto nas horas de sofrimento

Não vivo sozinha porque gosto e sim porque aprendi a ser só..."


Florbela Espanca

A Dor Alheia

“Costumamos dizer que reconhecemos os grandes amigos no momento de nossos sofrimentos, mas não é verdade.
Os verdadeiros amigos são aqueles que suportam a duração de nossa alegria.
O sofrimento é uma realidade que nos congrega com mais profundidade.
O Shopenhauer dizia que o sofrimento do outro nos acorda para a verdade de nossa condição. Somos frágeis. E, ao encontrar o outro mergulhado em sua dor,
é natural que brote dentro de nós a compaixão.
Esse sentimento ocorre até mesmo quando estamos diante de nosso inimigo.
Ao deparar com a dor alheia, de alguma forma descubro a totalidade do meu ser.
É como se eu ouvisse a confissão desconcertante: “Tu és isso.”
A dor que dói no outro é uma janela de onde eu me enxergo.
É como se por um instante fosse quebrada a nossa capacidade de diferenciação.
O outro sou eu.
Não posso vê-lo sofrer sem nele identificar minha inegável condição de fragilidade.”


Pe. Fábio de Melo (em "Carta entre Amigos")