sábado, 31 de outubro de 2009

O mito da mulher misteriosa


"...sempre quis ser dessas mulheres imperfuráveis, inatingíveis, inaudíveis e incompreensíveis.

_Mas nunca consegui.

_Quando vou ver, já contei minha vida pra primeira pessoa que me deu um pouco de atenção.

_Já to rindo alto no restaurante porque não me controlei e fiquei feliz demais.

_Já escrevi um texto sobre o fulaninho da terça passada e publiquei numa revista.

_E o fulaninho ta morrendo de medo porque escrevi que gosto dele.

_E se alguém perguntar, vou dizer mesmo que goste dele.

_E se ele não gostar de mim, minha tristeza não será segredo para ninguém.

_E minha pasta de dente é para deixar os dentes branquinhos.

_E quando vou ver, lá se foi a mulher misteriosa que eu gostaria tanto de ser.

_Porque eu jamais poderia ser uma.

E sofri anos com isso.

Até que resolvi conviver de perto com algumas mulheres misteriosas para tentar descobrir o que se passa na cabeça e na alma desses seres incríveis que nunca têm nada a dizer, a doer, a aconselhar, a cantar, a dançar, a morrer de rir, a fofocar, a detalhar, a exagerar, a sonhar, a dividir, a acrescentar.

E descobri que a coisa era muito mais simples do que eu imaginava: nada.

Não se passa nada de relevante nem na cabeça e nem na alma dessas mulheres.

As mulheres misteriosas, tão admiradas e desejadas, não passam de mulheres sem a menor graça.

Elas não calam por mistério, charme ou discrição.

Calam porque simplesmente não há nada mais sábio que elas possam fazer."


Tati Bernardi

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