sábado, 31 de outubro de 2009

Não sei, não quero saber, e que quem saiba não me conte!

"Tenho observado com mais critério, ultimamente, uma situação recorrente nos relacionamentos atuais. É o desejo exagerado e a valorização equivocada que muita gente tem nutrido acerca da transparência.


Tenho ouvido várias pessoas afirmando categoricamente que preferem saber de tudo o que seus parceiros fazem, ainda que isso sirva sobretudo para dilacerar sua alma, destruir seu coração e pisotear sobre seus valores.


Isso sem falar do Orkut, um ‘site-vitrine’ exposto, por algumas pessoas, de modo leviano, e transformado num mundo de fantasias absurdas. E se não bastasse a construção diária de tamanha ilusão, milhares de pessoas se deixam influenciar por ela para fazer escolhas importantíssimas em sua vida!


É um novo e desastroso jeito de praticar o antigo voyeurismo – isto é, bisbilhotar o outro em sua intimidade. Acontece que, originalmente, a idéia é olhar para (e sentir prazer pelo) o que existe de real, enquanto que pelo Orkut, o que se vê não é – definitivamente – real e, muito menos, tem proporcionado prazer.


E o que vemos, por fim, é o resultado de desejos enrustidos e tentativas ‘mortas’, mascaradas, carentes de coragem, verdade e força para se tornarem concretas. Claro que existem vantagens de se usar o Orkut, mas é preciso maturidade para usufruir delas!


Enfim, vivemos a era da transparência, mas nem sabemos o que isso significa e para quê serve. Queremos saber da vida do outro sob a justificativa de que somos sinceros e desejamos reciprocidade, de que preferimos agüentar a dor da verdade a imaginar a hipótese de estarmos sendo feito de bobos.


O que é isso?!? Desde quando estamos prontos para uma verdade que, no final das contas, nem existe? Desde quando o humano é passível de tanta transparência?!? Não sabemos nem de nós mesmos, o que dirá do outro!!! Mudamos de idéia, pensamento e até de opinião o tempo todo e queremos que o outro nos passe relatório de seu mundo interior!!! Como assim?


E depois não entendemos por que estamos tão neuróticos, tão depressivos, tão ansiosos, tão estressados... Desejamos uma verdade sem nos darmos conta de que, para conhecê-la, precisamos antes investir em nosso amadurecimento, em nosso equilíbrio, na consciência superior de quem somos e o que temos para transparecer ao outro.


Mas, não! Simplesmente almejamos a utópica sensação de poder, de controle, de manipulação acerca do futuro e da vida alheia... e o que conseguimos? Frustração, decepção, brigas, cobranças, desentendimentos, rompimentos, lágrimas, ofensas, desrespeito e humilhações.


Não estou defendendo nenhuma das partes: nem a que constrói uma fantasia sob o rótulo de verdade e nem a que se corrói por descobri-la, como se acabasse de encontrar um mapa do ‘tesouro’.


Tudo o que temos encontrado, nestas buscas insanas e infantis, está mais para bomba-atômica do que para algo que se pareça com alguma verdade ou tesouro.Sugiro que, antes de saber, querer saber ou perguntar a quem sabe sobre o quanto o outro tem sido sincero, transparente e verdadeiro conosco, consigamos responder a nós mesmos quais são as nossas verdades, o que temos feito para ser verdadeiramente transparentes. Com que intensidade e por quanto tempo podemos manter um determinado sentimento, uma opinião ou uma circunstância...


E que todos nós, em alguma medida, seguindo o ritmo de nossa maturidade, percebamos que mais importante do que saber tudo sobre o outro é nos mantermos focados em nossas intenções, no desejo real de viver o que há para ser vivido... e a verdade do outro será apenas e tão somente uma natural conseqüência...


Que paremos, de uma vez por todas, de nos deixar influenciar por fantasias ou – pior – de investir tanto tempo construindo fantasias por conta própria, seja sobre nosso próprio mundo, seja sobre o mundo do outro.


Porque a transparência de fato não está no que ele diz ou faz, nunca! Está dentro de cada um; em cada uma das escolhas que fazemos a cada instante, e que tantas vezes nem percebemos...


Estarmos um pouco mais atentos às escolhas que temos feito e, assim, sabermos um pouco mais sobre nós mesmos, é o que realmente importa!"




Rosana Braga.

0 comentários: