quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Coragem para ser feliz

"Juntou seus trapos numa mala velha, surrada, levantou a cabeça e partiu em direção à porta. O medo da incerteza corroia cada centímetro de seu corpo, mas sabia que aquilo era necessário. Há momentos na vida que ou você vai ou tudo racha, e aquela era a hora.

De canto de olho ainda pôde vê-lo dormindo no sofá, aquele maldito, sempre bonito e tentador, cafajeste, músculos perfeitos, pele bronzeada, quanto ódio, um demônio travestido de anjo. Não quis saber, momentos de recaída já faziam parte do passado. Mirar para frente, vislumbrar o futuro, se desprender das teias do passado, essas eram as palavras de ordem, esse era o seu novo objetivo de vida. Ordem e progresso.
Ele era um imã, mas ela estava decidida a mudar de pólo. Conhecia casos e mais casos de amigas que mesmo infelizes permaneciam na zona de conforto em seus relacionamentos, presas como moscas, buscando no companheiro algo que nunca iriam encontrar. Isso não, chega de sofrer por sofrer. Rompeu-se ali, naquele momento, a cadeia do conformismo.
Ela pensou muito antes de tomar a decisão de abandoná-lo. Enquanto passava pela sala do apartamento em direção àquela porta, tudo lhe voltava à mente, as lágrimas derramadas, a incompreensão recebida, as decepções de dia após dia descobrir um estranho a seu lado, alguém muito diferente da primeira impressão, alguém incompatível com o que ela procurava, o que ela desejava e precisava. Até tentou, como as amigas, trilhar a falsa esperança de um amanhã melhor, aquela velha ladainha de que um dia ele mudaria, ah mudaria sim, mas não mudou. Todo amor, por mais forte e jovial que seja, não resiste à dor de não ser espelho.
Abriu a porta, o hall de serviço silencioso, mãos suadas, coração disparado, pernas bambas, a espinha quase congelada, mas seguiu em frente sem olhar para trás. Nada de elevador, precisava andar, largar o medo naquele hall, embriagar-se de liberdade, ter poder de escolha. Lá se foi, ciente de que ao ouvir o estalo da porta se fechando estaria tudo acabado, ou melhor, se encontraria com um novo e desconhecido começo, a maior das certezas na grande incerteza... O tempo todo ela soube que a felicidade a aguardava na escada."

Nelson Botter.

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