quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Chega

"Você diz que acabou e me pergunta se vou sentir sua falta. Eu digo que vou sentir falta desse curto espaço de tempo durante o qual pude provar seu gosto, seus cheiros, seus sentidos. Mas eu minto. Porque vou sentir falta mesmo de tudo o que não seremos. Saudade do que jamais viveremos juntos, das coisas que jamais experimentaremos.
Saudade de nunca ter ido com você ao supermercado, de nunca ter brigado pelo sabor do sorvete, pela marca da pasta de dente, pelo rótulo do vinho. Saudade de nunca ter lido com você ao meu lado na cama, de nunca ter escolhido com você o filme que iríamos ver, ou restaurante no qual jantaríamos e beberíamos depois. Saudade de nunca ter sentado com você no sofá da sala para conversar sobre a viagem de fim de ano, de nunca ter acordado do seu lado num sábado de manhã, levantado para tomar café na cozinha, e voltado para cama. Saudade de não ter a chance de ler o jornal de domingo com você e de depois sair para correr no parque. Saudade de nunca ter decorado com você a nossa casa, de nunca ter brigado com você por ciúmes, de nunca ter feito as pazes apaixonadamente na cama, de nunca ter comemorado nosso aniversário. Saudade de nunca ter voltado para casa e encontrado você me esperando na sala, de nunca ter visto você chorar, de nunca ter tido a oportunidade de entender porque você gosta de Basquiat. Saudade de não ver você envelhecer, de não saber como seriam nossos filhos, de nunca ter conhecido sua família ou as pessoas que marcaram sua vida. Saudade de nunca ter mexido no seu rosto em público, de nunca ter beijado sua boca em público, de nunca ter tocado seu cabelo em público. Saudade de nunca ter ouvido você dizer que me ama; de não poder ser quem você gostaria que eu fosse.
Mas, principalmente, saudade de nunca ter olhado dentro dos seus olhos naquela noite que você gozou. Porque teria sido nessa hora, no momento em que meus dedos e sentidos fariam o abençoado trabalho de conduzir você, doce e apaixonadamente, ao melhor lugar do mundo, que eu poderia ver muito de perto - a ponto de poder tocar se quisesse - sua alma.
E assim, quem sabe, me seria dada a preciosa chance de reescrever nossa história – talvez uma das mais belas histórias de amor jamais escritas - e agora para sempre interrompida."


Milly Lacombe

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