"Mulher não é um pedaço de carne. Por mais que o homem a observe com malícia.
O corpo da mulher é pensamento. Não anda, pensa. Uma mulher parada ainda está se movimentando.
É um cuidado com o cotovelo, um préstimo das sobrancelhas, a sombra preciosa do pescoço. Parece treinado, mas nem ela sabe o que está fazendo, não seria capaz de repetir. Não adianta chamar atenção ao ato involuntário, que responderá desajeitada:
– O quê? Não reparei...
Será informada do próprio milagre e continuará agindo com a naturalidade do esquecimento.
Uma mulher suando não é um homem suando, seu suor evapora. O homem apenas fica sujo.
Ela se modifica ao andar. Os seios logo se alinham aos cabelos, os cabelos logo formam as alças do vestido. Tanto que o homem olha e olha uma mulher, sem chegar a uma conclusão.
Olha porque pensa que perdeu o início do movimento. É como um filme que se toma pela metade quando o final estava no início.
Ele não consegue assobiar uma mulher. Pasmo, pode ser confundido com um tarado ou criminoso. O perfil abobado, a boca aberta esperando espanto. Aquilo que ele definiu não é mais. Ela será outra no próximo respiro. Ele se apaixona para se aproximar, afasta-se para não ficar louco.
Não há como parar diante de sua nudez e comentar: era o que imaginava. Não é o que se imagina, cada gesto é a variação de um leque. Ou só um leque quando procuramos variações.
O homem não terá tempo de se especializar, morrerá analfabeto dos pés ou das mãos dela. O homem traduz a mulher a partir da língua em que ela não foi escrita. É uma versão da versão.
Devo ter contado de minha vizinha, a primeira mulher nua de minha vida. Espiei pela fechadura da porta do banheiro, com o pulso acelerado. Ela estava esplendorosa. Não tinha pressa em se secar, espreguiçava-se na toalha. Eu não pude permanecer, mas experimentei uma admiração que doía. Uma admiração que me encabulava. Ela me inacabava.
Desde lá, toda mulher desconhecida na rua não precisa falar comigo para me salvar. Não precisa me cumprimentar para me redimir. Desde lá, sei que a melhor sedução é aquela que já foi tímida. A verdade está em não ser verdadeiro. Quem tenta ser verdadeiro está mentindo.
Não concordo com Rubem Braga, apesar de amá-lo, de que "a mais boa mulher feia não pode fazer tão bem quanto a mais ruim mulher bonita". Uma mulher não é bonita, torna-se particularmente bonita. Em especial quando o elogio que ela se deu coincide com o elogio que recebe. Eu diria: a mais bonita mulher em desvalia não pode fazer tão bem quanto a mais confiante mulher feia.
Beleza é o que não enxergamos dentro da beleza. É o que nos intriga dentro da clareza."
Fabrício Carpinejar
quinta-feira, 11 de março de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário