"Você me diz que tratará de arranjar um jeito de arrancar seu amor por mim. Como parar de fumar ou beber.
PARE DE AMAR E EMAGREÇA DEZ QUILOS.
Parece fácil?
Já a vejo colocando adesivo no carro. Já a vejo mostrando fotografias de ANTES e DEPOIS.
É descer e pôr o amor na rua, com o cuidado de embrulhar o vidro no jornal para o lixeiro não se ferir.
Tem medo que eu a descarte, portanto é melhor acabar agora. É melhor não sofrer mais. Não vai arriscar.
Nem subirá os olhos pelos andares da geladeira. Não vai conferir a data de validade das confidências. Descobriu que o amor estragou.
Decidiu. Não é uma ameaça, é uma conclusão. Para sempre.
Está interessada em cuidar de sua saúde. Mudará os hábitos.
É com facilidade que afirma. Com desembaraço. Assim como trocar o dia cinco pelo seis na folhinha do calendário, como amarrar os sapatos, como separar as roupas velhas das vivas.
Não pretende mais ser incomodada. Não tem mais nada para falar.
Você cuidará de expulsar o amor que tem por mim. Cortará a água e a luz desse amor.
Está cansada de explicar. Explicar o que nem entende.
Você é capaz de casar para se vingar. Fingir que está feliz. Colocar toda a sua concentração para me convencer que conseguiu.
Serei deportado de sua memória. Me mandará de volta ao conto de fadas, de onde nunca deveria ter saído.
Explica que não é pessoal, é uma decisão técnica. Há outras vidas inocentes em jogo. Mais um pouco, as paredes desabam.
Não é justiça, é desespero, que dá no mesmo.
Rasgou o que não é papel: meus cabelos, meus cílios, meus casacos.
Decidiu, ponto. Como arrumar a cama. Como limpar as gavetas. Como empilhar a louça.
Botou na cabeça. Como quem bate a porta. Como quem desliga o telefone na cara.
Pronto. Como desistir de um curso. Como abandonar uma viagem.
Sem recurso. Sem direito de resposta. Sem pensar duas vezes.
Você vomitará inteiro seu amor por mim. Com os dedos na garganta.
Você deixará o banho transformada. Sem nenhuma lembrança da praça e da noite em que tremia de frio.
Recomeça o ano com um caderno mais bonito do que sua letra.
Sofrerá um pouco de contrariedade no início. Como um vício. Após a primeira semana passa. Acredita que passa.
Você pedirá atestado médico. Para não ir ao trabalho desse amor. Ao expediente desse amor.
Você fará quimioterapia desse amor. Arrancará o câncer desse amor. Arrancará o caroço de minhas mãos de seus seios. Arrancará o pressentimento do meu braço de seus ombros.
Nenhuma choradeira. É natural desamar. Como espantar insetos com o calor. Como recusar esmolas na sinaleira.
Está mais madura, determinada, livre.
Você decidiu, não depende mais de mim. Você decidiu que não presto para sua vida, que merece alguém melhor.
Como quem escolhe ser vegetariana. A partir de hoje, não comerá mais carne. Simples: a partir de hoje, não me ama mais.
Você cuspirá em meu nome. Você vai ocupar todas as sessões de terapia para me ofender.
Eu não presto, nunca prestei, mas o amor que você sente não tem nada a ver comigo. Ele não depende de nós para nascer ou morrer.
Isso só descobrirá depois. Depois de desistir de desistir de desistir. "
Fabrício Carpinejar
quinta-feira, 11 de março de 2010
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