quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Não Consegui



"-Não consegui.
-Do grande esforço através dos doze meses, doze signos, doze faces, só guardo essa certeza.
-Que tonta travessia.
-Tudo bem, descansa.
-Faz parte, não conseguir.
-Por favor, estou farto.
-Brilhos baratos, as jóias eram todas falsas.
-Está certo, mas não quiseram te fazer mal.
-O mal não existe reverso do bem.
-Tanto faz, só peço que me deixem.
-Vou ficar encostado na árvore até amanhecer.
-Olhos abertos, feito uma vela acesa.
-Se ela insistir, direi que não tenho piedade alguma.
-Que não compreendo, não aceito nem perdôo mais a loucura.
-Se ele vier, pedirei que fique.
-Serei bom para ele.
-Mentira, não pedirei nem direi nada a ninguém.
-É indivisível, aprendi.
-Talvez consiga dormir.
-Talvez consiga acordar amanhã finalmente livre de tudo isso.
-Terei apenas um corpo, poucos pensamentos, todos pequenos.
-Sei que foi inútil quando os vejo obstinados recomeçar e recomeçar sempre.
-Uma serpente que morde a própria cauda, um círculo infinito de enganos...
-Não te castiga assim, está tudo em paz.
-É como uma cantiga de ninar nas cinzas do fim do mundo.
-Um barbitúrico, se preferires.
-Entorpece, melancólico, te leva para longe.
... Deixa-me passar a mão nos teus cabelos.
-Está amanhecendo.
-Em voz baixa, eu canto para te enganar. "

Caio Fernando de Abreu

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