segunda-feira, 28 de setembro de 2009

frases soltas


Caio Fernando de Abreu


domingo, 27 de setembro de 2009

Dar um tempo


"Não conheço algo mais irritante do que dar um tempo, para quem pede e para quem recebe.
O casal lembra um amontoado de papéis colados. Papéis presos.
Tentar desdobrar uma carta molhada é difícil. Ela rasga nos vincos.
Tentar sair de um passado sem arranhar é tão difícil quanto.
Vai rasgar de qualquer jeito, porque envolve expectativa e uma boa dose de suspense.
Os pratos vão quebrar, haverá choro, dor de cotovelo, ciúme, inveja, ódio.
É natural explodir. Não é possível arrumar a gravata ou pintar o rosto quando se briga.
Não se fica bonito, o rosto incha com ou sem lágrimas.
Dar um tempo é se reprimir, supor que se sai e se entra em uma vida com indiferença,
sem levar ou deixar algo.
Dar um tempo é uma invenção fácil para não sofrer.
Mas dar um tempo faz sofrer pois não se diz a verdade.
Dar um tempo é igual a praguejar "desapareça da minha frente".É despejar, escorraçar, dispensar. Não há delicadeza. Aspira ao cinismo.
É um jeito educado de faltar com a educação.
Dar um tempo não deveria existir porque não se deu a eternidade antes.
Quando se dá um tempo é que não há mais tempo para dar,
já se gastou o tempo com a possibilidade de um novo romance.
Só se dá o tempo para avisar que o tempo acabou.
E amor não é consulta, não é terapia, para se controlar o tempo.
Quem conta beijos e olha o relógio insistentemente não estava vivo para dar tempo.
Deveria dar distância, tempo não. Tempo se consome, se acaba, não é mercadoria, não é corpo. Tempo se esgota, como um pássaro lambe as asas e bebe o ar que sobrou de seu vôo.
Qualquer um odeia eufemismo, compaixão, piedade tola.
Odeia ser enganado com sinônimos e atenuantes.
Odeia ser abafado, sonegado, traído por um termo.
Que seja a mais dura palavra, nunca dar um tempo.
Dar um tempo é uma ilusão que não será promovida a esperança.
Dar um tempo é tirar o tempo. Dar um tempo é fingido.
Melhor a clareza do que os modos.
Dar um tempo é covardia, para quem não tem coragem de se despedir.
Dar um tempo é um tchau que não teve a convicção de um adeus.
Dar um tempo não significa nada e é justamente o nada que dói.
Resumir a relação a um ato mecânico dói.
Todos dão um tempo e ninguém pretende ser igual a todos nessa hora.
Espera-se algo que escape do lugar-comum.
Uma frase honesta, autêntica, sublime, ainda que triste.
Não se pode dar um tempo, não existe mais coincidência de tempos entre os dois.
Dar um tempo é roubar o tempo que foi.
Convencionou-se como forma de sair da relação limpo e de banho lavado, sem sinais de violência. Ora, não há maior violência do que dar o tempo.
É mandar matar e acreditar que não se sujou as mãos.
É compatível em maldade com "quero continuar sendo teu amigo".
O que se adia não será cumprido depois."





Fabricio Carpinejar (do livro "O amor esquece de começar")

Mulher de 30......



Cibele Santos

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Divã


"Se não era amor, era da mesma família.
Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados.
A carência. A saudade. A mágoa.
Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo.
Eu bati a 200 km por hora e estou voltando á pé pra casa, avariada.
Eu sei,não precisa me dizer outra vez.
Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos.
Talvez este seja o ponto.
Talvez eu não seja adulta o suficiente para brincar tão longe do meu patio, do meu quarto, das minhas bonecas.
Onde é que eu estava com a cabeça, de acreditar em contos de fada, de achar que a gente muda o que sente, e que bastaria apertar um botão que as luzes apagariam e eu voltaria a minha vida satisfatória,sem seqüelas, sem registro de ocorrência?
Eu não amei aquele cara.
Eu tenho certeza que não.
Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada.
Não era amor,era uma sorte.
Não era amor, era uma travessura.
Não era amor, eram dois travesseiros.
Não era amor, eram dois celulares desligados.
Não era amor, era de tarde.
Não era amor, era inverno.
Não era amor, era sem medo.
NÃO ERA AMOR, ERA MELHOR"





Martha Medeiros (trecho do livro Divã)

frases soltas

Caio Fernando de Abreu


A VERDADEIRA BALADA DO AMOR INABALÁVEL


"De repente, a vodca virou vinho. A festa fechou as portas. A solteira se comprometeu. A cidadã baladeira que não perdia uma festa sequer, perdeu o juízo e se jogou. Perdeu também a paciência com a amiga que fica horas descrevendo a roupa de não sei quantas cifras que ela comprou pra ir àquela super-mega-ultra-power festa do final de semana naquele super-mega-ultra-power lugar que ela já foi zilhões de vezes. A cidadã ouviu o toque de recolher.

Acabou a graça de sair pra paquerar carinhas que não vão dar em nada. Acabaram as noites sem dias seguintes, os dias seguintes que ainda eram a balada da noite anterior. A cidadã não tem mais paciência pra festas regadas a saias que exibem o útero, por cabelos que exalam formol, por decotes que disputam o maior silicone, por playboys que também disputam o maior silicone, pelos silicones que disputam o carro mais caro e o cara mais barato. A música alta torrou a paciência, corrompeu os neurônios e estourou os tímpanos. Suas roupas curtas são tão curtas que não caberiam em nenhum outro lugar a não ser em festas com pessoas dopadas pela droga do momento e embaladas por música que repetem o tuntz-tuntz a noite inteira.

A cidadã, que nunca teve vícios, se viciou. Se viciou em querer um cidadão só. Um cidadão que agüenta todas suas manias. Um cidadão que criou nela o hábito dele. Que viciou ela nele. E agora o vício dela é repetir ele. O vício dele. Vinte quatro horas dele. Sete dias por semana ele. Acorda, ele. Dorme, ele. Só ele.

Ele faz todas as vontades dela, viaja, sua, ri, canta, toca, come, beija. Ela é a cidadã que faz a única vontade dele. Ele compra vinho, ela faz chapinha. Ele toca violão, ela canta música brega. Ele compõe, ela desafina. Ele é sol, ela é de lua. Ele quer envelhecer junto, ela quer morrer antes de envelhecer. Ele planeja o futuro, ela não tem a mínima pista de amanhã cedo. Ele paga previdência privada, ela paga depilação a laser. Ele é tudo que ela sempre quis um dia, antes mesmo de ela saber que queria. Ele quer ela, ela quer ele.

A cidadã ex-baladeira-frenética-sem-rumo recolheu suas fichas e foi apostar em outro lugar. Mais seguro. Com menos risco. Mais certezas. E, por incrível que pareça, mais emoção. A cidadã prefere acordar de manhã e saber pra quem ligar do que tentar lembrar o nome da noite anterior. Prefere estar com alguém que conheça seus defeitos, que tolere suas pirraças, que a ame apesar do que ela é. Prefere saber onde está pisando.

Como se preferir fosse algo que ela tivesse escolhido. Não foi. Aconteceu enquanto ela planejava um final de semana e outro. Aconteceu enquanto ela não tinha planos para o carnaval e lamentava a maldita época do ano em que os rolos mal enrolados aproveitam pra desenrolar. Aconteceu numa noite de céu estrelado e aviões que ainda voavam baixo lá em cima. Aconteceu sem que ela tivesse o mínimo controle ou pelo menos uma vaga pista do que estava fazendo. Aconteceu e ela ainda não sabe muito bem o que está fazendo. Só que, agora, se ela tiver dúvidas, ela tem pra quem perguntar. E quando ela não tiver certezas, ela ainda vai ter ele. "


Brena Braz

Amar Pode Dar Certo

"Se, em algum momento da vida, você se sentiu incapaz de realizar um trabalho para o qual estava qualificado; se ficou mudo diante de uma platéia, mesmo sendo conhecedor do assunto; se acordou pela manhã e, sem sintoma algum de doença, sentiu-se apático e sem motivação para levantar-se; se não foi capaz de declarar-se à pessoa que você amava; se teve o desejo de constituir uma família, mas até hoje continua solteiro, provavelmente você já experimentou uma sensação de incapacidade.

Pode-se observar duas formas de incapacidade. Na incapacidade fundamentada, existe um impedimento verdadeiro para você atingir seus objetivos. Por exemplo, uma pessoa ama outra, mas esta não corresponde ao sentimento por não estar disponível, ou por não querer, pois já ama alguém. Existe aí um obstáculo real, e não vencê-lo mostra que a incapacidade é real.

Continuar insistindo nesse amor é sabotar a possibilidade de encontrar outro amor, é lançar-se na solidão. Outra forma de incapacidade é a imaginária. Ocorre quando a pessoa se julga incapaz de obter algo que, na verdade, lhe seria possível.

Por exemplo: alguém se apaixona por uma pessoa que pode corresponder àquele sentimento, porém não consegue declarar o seu amor a ela. Nesse caso, a fantasia cria obstáculos ilusórios e configura uma incapacidade ilusória. É importante saber diferenciar a incapacidade real da imaginária, pois ambas podem existir numa mesma situação.

Como no caso do homem cuja mulher estava triste porque o pai adoecera. Ele nada podia fazer para curar o enfermo e, conseqüentemente, para devolver a alegria à mulher.trata.se de incapacidade real. Mas ele podia ouvi-la e oferecer-lhe o ombro para chorar, de maneira que ela pudesse se sentir protegida, apesar de todas as dificuldades. Se o homem não agiu assim e continuou afirmando que nada podia fazer por sua mulher, colocou-se numa situação de incapacidade imaginária, que no fundo demonstrava uma grande falta de coragem de fazer o que estava ao seu alcance.

A incapacidade imaginária pode manifestar-se de duas formas: pela supervalorização do outro, de tal maneira que ele é considerado alguém inatingível, ou pela diminuição do nosso potencial, fazendo com que nos sintamos incapazes de receber amor e atenção. O sentimento de rejeição é tão grande nesses casos que impede a aproximação de outra pessoa. Se isso ocorre mesmo havendo amor entre o casal, é porque ambos estão fugindo de algo que os ameaça.

Pensando tornar-se seguros através dessas condutas, podem arruinar esse amor. Por que não deixar o parceiro perceber nossas inseguranças? Ninguém é um gigante ou um super-herói.

Todo ser humano tem o direito de se sentir incapacitado, inseguro. Na verdade, é preciso armar-se de coragem para reconhecer essas limitações. Faz parte da arte de amar usar bem as opções em favor da sobrevivência do amor.

Uma das formas mais poderosas de proteger o amor, numa relação saudável, é permitir que os limites, as inseguranças, os pontos fracos sejam conhecidos pelo parceiro, de modo que ambos possam cuidar para que eles não os prejudiquem. Ameaças e inseguranças ocorrerão sempre, pois ninguém dá cem por cento de garantia a ninguém.

Mas, se cada um se conscientizar da forma como pode contribuir para a relação crescer, as ameaças e as inseguranças serão muito menores.

A única maneira de esclarecer se nossa capacidade é real ou imaginária consiste em ter coragem de acreditar no amor do outro, ter confiança de que o outro nos amará com nossas limitações reais e nos ajudará a vencer as imaginárias. A essa atitude damos o nome de entrega amorosa."


Roberto Shinayashiki

Mulher de 30......


Cibele Santos

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Amor e Felicidade

"Alcançar o amor talvez exija mais renúncia do que alegria e felicidade.
Nem sei se a felicidade pessoal é compatível com o amor. Por que ligar felicidade ao amor?
O amor é sério demais para almejar a felicidade.
A felicidade está sempre ligada a alguma forma de inconseqüência.
A paixão sim faz a gente feliz. Só transar? Melhor ainda.
Assim como é preciso alguma crueldade para viver, assim como há sempre alguma agressão embrulhada em qualquer vitória, também a felicidade precisa de alguma inconseqüência.
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O amor por si, é repleta de "trágicos deveres".
Por isso o amor não está ligado à felicidade.
Os que assim a perseguem, deveriam desistir de amar.
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O amor é um sentimento ligado à lucidez, à renúncia, à compreensões das contradições.
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Amar é ser capaz de viver um sentimento que se misture fundo com a vida, se torne corriqueiro, mal percebido, sem grandeza, sem efeitos extraordinários, emoções particulares ou excitantes.
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Aqui reside, pois, a complicações do amor.
Só se torna visível quando ameaçado acabar.
Só se o descobre quando se supõe nada mais sentir.
Está onde menos se espera.
É profundo, vital, doador, independente de exaltações.
Flui imperceptível, aparece ao sumir.
Pessoas que separam, mesmo livres uma da outra, sentem um vazio, uma perda, um sentimento de possibilidade perdida.
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É preciso muito viver, muito desiludir-se, muito sentir, muito experimentar, muito perder, muito renunciar, para encontrar o próprio amor, guardado não se sabe em que dobra da gente, e muitas vezes nunca descoberto.
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Morrer sem descobrir o próprio amor escondido é freqüente. E terrível.
O que estamos fazendo com o amor que está em nós e diariamente trocamos pelas emoções prazenteiras, pela felicidade inconseqüente, pelas alegrias passageiras?
O que estamos fazendo? O que? "


Artur da Távola

terça-feira, 15 de setembro de 2009

frases soltas


CAIO FERNANDO DE ABREU

Rebelar-se, mudar ou simplesmente aceitar?


"Você já deve ter ouvido a Oração que diz: “Senhor, dai-me força para mudar aquilo que posso; serenidade para aceitar o que não posso; e sabedoria para perceber a diferença entre uma situação e outra.”
Quando se trata de uma situação com a qual você não está satisfeito, mudar ou se rebelar parece sempre bem mais razoável do que simplesmente aceitar. Entretanto, muitas vezes, aceitar é a atitude mais sábia que você pode ter. É a que mais lhe garantiria a paz e a felicidade que tanto procura, especialmente quando está certo de que fez a sua parte e deu o seu melhor.
Não concorda? Então lhe proponho uma reflexão! Vamos imaginar, apenas imaginar, que você passou os dois últimos anos de sua vida investindo em seu desenvolvimento profissional e se dedicando ao máximo à empresa onde trabalha.

Tem sido um excelente colaborador, correspondido às expectativas de seus gestores e feito uma significativa diferença nos resultados de sua equipe. Espera realmente ser reconhecido e conquistar uma posição melhor e um salário mais satisfatório.
Pois bem! Uma vaga é aberta para o cargo que você tanto almeja e imediatamente você pensa: “essa é minha grande chance e sei que estou pronto para ocupar esse novo lugar. Afinal, tenho feito muito por merecê-lo”!
E você está certo, mas esse é apenas o seu ponto de vista. E o inesperado acontece: outra pessoa é escolhida! Num primeiro momento, você se sente sem chão... não consegue acreditar e nem entender. Isso parece absolutamente injusto. Você se considerava a pessoa certa, na hora certa e no lugar certo e, mesmo assim, tudo deu errado!
E agora? O que fazer? A sua vontade, muito provavelmente, é de botar pra fora toda a sua raiva e indignação! O que você mais gostaria de fazer é se rebelar! Entretanto, será mesmo que gritar, esbravejar e reivindicar reconhecimento neste estado em que se encontra, seriam atitudes positivas, construtivas e que te ajudariam de alguma forma? Pode apostar que não!!!
E quanto a mudar? Considerando que você criaria uma situação constrangedora e até desfavorável se colocasse em dúvida a competência da outra pessoa, bem como a capacidade de escolha de seu chefe; e considerando também que ele já sabia de suas pretensões e, ainda assim, elegeu outro nome para o cargo, podemos concluir que essa situação em si não pode ser mudada!
Você poderia mudar para outra empresa, onde talvez pudesse ocupar o cargo que tanto almeja? Se sim, ótimo. Vá em frente, aposte no novo! Se não, nada pode ser feito... pelo menos não neste momento.
Mas como aceitar? Simples assim? Não fazer nada? Sim, isso mesmo. Confiar no fluxo da vida. Admitir que você não sabe tudo e nem pode controlar tudo. Acreditar que nada é por acaso e que nem sempre conseguimos entender por que determinadas coisas acontecem, principalmente quando elas nos parecem tão injustas.
Seus sentimentos são absolutamente compreensíveis e você deve mesmo acolhê-los. Mas não agir enquanto estiver submetido a eles. Pode, claro, ir para casa e esmurrar o travesseiro, ou chorar, ou conversar com alguém em quem você confie e desabafar.
Enfim, pode e deve colocar pra fora essa angústia que está sentindo. Mas não pode sair por aí descontando sua raiva em quem se atrever a cruzar o seu caminho. E sabe o que é pior? Infelizmente, na maioria das vezes, é exatamente isso que a maioria das pessoas faz: desconta sua frustração naqueles que mais ama, como filhos, esposa, mãe, pai e irmãos.

E, acima de tudo, não pode transformar os seus próximos dias em verdadeiros martírios, consumindo-se com pensamentos autodestrutivos, culpando-se pelo que acha que deveria ter feito ou ainda se sentindo incompetente. Esta seria a mais nefasta das opções: rebelar-se contra si mesmo! Definitivamente, não ajudaria em nada! Muito pelo contrário...
Por fim, permita-se um banho demorado, talvez um chá quentinho e respire profundamente, sentindo seu corpo inteiro relaxar. Entregue-se ao dia seguinte e à vida com a certeza de que o que for para ser seu, será! E continue fazendo o seu melhor!
Tente. Apenas tente e descubra que viver não precisa ser tão complicado e dolorido... "



Rosana Braga

domingo, 13 de setembro de 2009

Recomeçar


"A pior coisa que pode acontecer na vida de uma pessoa

não é quando seu projeto não dá certo,

seu plano de ação não funciona

ou quando a viagem termina no lugar errado.

O pior é não começar.

Esse é o maior naufrágio."



Amyr Klink

sábado, 12 de setembro de 2009

Cantiga para não morrer


Ferreira Gullar

A Estranha

"A estranha agora deu de não comer. Sou eu que perco peso, bunda, peito e buchecha. A estranha dá de chorar de bobeira e eu pago o mico. A estranha se descontrola: ora fala demais sem nenhum argumento, ora emudece um turbilhão de idéias.

Quero acordar cedo, quero praticar um exercício, quero tomar café sem pressa. A estranha só quer saber de sonhar, dorme até tarde. Dorme pesado de peso de amar. Amar dá sono porque gasta os sentidos.

A estranha quer me atrapalhar, não quer que eu escreva esse texto e eu acabo escrevendo tudo truncado e bobo. Ela só quer que eu sinta, que eu pense, que eu respire, que eu disque aqueles números mais uma vez, mais uma vez, mais uma vez.

Ei safada, saia de dentro de mim, preciso trabalhar, preciso respirar, preciso comer, preciso levar minha vida. Minha vida, entendeu?

Quem te colocou aí, vagabunda? Quem disse que você manda em mim?

A estranha é tão forte, tão grande, tão cheia de bocas, dentes, buracos quentes. A estranha vive para devorá-lo.

Eu sou fraca e tenho a nítida e desesperadora sensação de ser mera platéia de missa: estou de joelhos. Que graça foi ver nesse homem, estranha filha da puta? Meu corpo te rejeita tanto que é quase um câncer sentir tudo isso. Meu corpo já se alimenta de você, digerindo aos poucos essa loucura para desmistificá-la.

O mais estranho da estranha é essa felicidade plena em que vivo. Esse estado de graça. A estranha encheu meu estômago de borboletas coloridas. Encheu de suspiros a minha alma. Me encheu de rendição.

É uma dessas alegrias de dar pulinhos e de murmurar alegria no semblante mais sério. É uma dessas alegrias tão abençoadas por Deus que Ele é quase cúmplice de esporádicas baixarias e mentiras. É uma dessas alegrias desconfortáveis mas que tem cara de cama quente e travesseiro fofo.

Estranha, pra que tanto se depois acaba, mais uma vez, como tudo?

Ela nem me liga, ela dança linda e vermelha no meu tórax. Eu perco o ar, esbugalho os olhos.

Ela nem me liga, formigando cada parte do meu corpo, transformando meu desenho em pontilhado. Depois me instiga a chamá-lo para que forme minha imagem, me faça existir.

Não sou uma massa desfigurada, vaca estranha! Sou uma mulher inteira, charmosa, inteligente, sarcástica, irônica e segura. Eu arraso corações! Não preciso de ninguém! Saia daqui!

Ela apenas me sorri irônica e por piedade aquieta-se alguns segundos. Depois, eu mesma não agüento e a procuro: estranha por estranha, negar uma paixão é muito mais louco do que aceitá-la dentro da gente. "


Tati Bernardi

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Mulher de 30......


Cibele Santos

frases soltas


Caio Fernando de Abreu

Não se Esqueça de Mim



"Onde você estiver,


Não se equeça de mim


Com quem você estiver não se esqueça de mim


Eu quero apenas estar no seu pensamento


Por um momento pensar que você pensa em mim


Onde você estiver, não se esqueça de mim


Mesmo que exista outro amor que te faça feliz


Se resta, em sua lembrança, um pouco do muito que eu te quis


Onde você estiver, não se esqueça de mim


Eu quero apenas estar no seu pensamento


Por um momento pensar que você pensa em mim


Onde você estiver, não se esqueça de mim


Quando você se lembrar não se esqueça que eu


Que eu não consigo apagar você da minha vida


Onde você estiver não se esqueça de mim"



Interpretada por Nana Caymmi

Eu não valho a pena

"O primeiro erro que alguém pode cometer num relacionamento é se apaixonar pela outra pessoa antes de conhecê-la bem. A paixão é cega. Ou melhor, a paixão deixa as pessoas cegas. Elas começam a idealizar as outras e esse é o primeiro passo para um relacionamento dar errado. Quando a realidade dá as caras, ninguém é tão perfeito nem tão amor infinito quanto o outro imagina.
Mulher nenhuma dá conta de ser tão linda quanto o outro acha que ela é. Tão legal quanto o outro acha que ela é. Tão desgarrada e sem ciúme quanto o outro gostaria que ela fosse. Isso é coisa do começo, quando os homens ainda enxergam em nós, mulheres, a perfeição. E depois de alguns meses, somos obrigadas a corresponder às expectativas que eles criaram por conta própria. Cadê aquela mulher perfeita, linda, exuberante e legal que eu conheci? Não, querido, essa pessoa nunca existiu a não ser na sua imaginação.
Esse texto poderia ser parte da minha auto-biografia premeditada. Coisas que podemos escrever antes que elas aconteçam, pois inevitavelmente vão acontecer. Eu nunca consegui ser tão boa companhia quanto pensavam que eu fosse. Nunca consegui ser tão culta quanto pensavam que eu fosse. Nunca consegui ser tão descolada quanto pensavam que eu fosse. Nunca consegui ser tão assídua na academia quanto pensavam que eu fosse. Nunca consegui ser tão dona da minha própria vida quanto pensavam que eu fosse. Nunca consegui ser tão bem resolvida quanto pensavam que eu fosse.
Talvez eu passe uma imagem errada de mim. Não sou metade da cabeça pensante que pareço, não tenho metade da empolgação pra malhar que já tive, não me viro tão bem sozinha quanto digo que me viro, não gosto tanto assim da minha própria companhia quanto eu digo por aí. Sou chata mesmo e tem hora que nem eu me agüento. Sou extremamente simples, caseira e cheia de manias estranhas (como ouvir Bruno e Marrone e dançar no meio da rua). Faço coisas “de homem” como trocar chuveiro, pintar a parede e consertar descarga em pleno feriado.
Já se apaixonaram por mim diversas vezes e, ainda assim, continuo solteira. Cada vez mais, quero que não se apaixonem por mim, afinal não vou ser metade da fantasia de alguém. Nem tento. Já vou dizendo logo quem sou, pois meu negócio é a realidade. Não tenho mais idade pra namoros adolescentes ou pra me interessar por viver uma ilusão. Todos que se apaixonaram por mim me fizeram sofrer no final. Queriam que eu fosse alguém que eu não sou pra eu corresponder a uma expectativa que não fui eu que criei.
Eu não pareço, nem de longe, a garota da camiseta molhada da revista. Eu não tenho vocação (nem bunda suficiente) pra andar de shortinho enfiado. Nunca vou colocar silicone e meus peitos vão continuar do jeito que eu gosto que eles sejam. Nunca vou achar normal traição e meu conceito de traição inclui trocar telefone (ou outro meio de contato) com uma mulher na balada. Nunca vou deixar solto quem eu amo. Minhas verdades mudam com o tempo, meus valores não. O que alguém acha de mim não vai determinar quem eu sou. Mesmo assim, não vou discordar quando alguém achar que eu não valho a pena. Eu valho. Eu valho a pena se tentarem me amar ao invés de se apaixonarem por mim."




Brena Braz

Amor não se pede

"Se implorar resolvesse, não me importaria. De joelhos, no milho, em espinhos, agachada, com o cofrinho aparecendo.
Uma loucura qualquer, se ajudasse, eu faria com o maior prazer. Do ridículo ao medo: pularia pelada de bungee jump.
Chorar, se desse resultado, eu acabaria com a seca de qualquer Estado, de qualquer espírito.
Mas amor não se pede, imagine só.
Ei, seu tonto, será que você não pode me olhar com olhos de devoção porque eu estou aqui quase esmagada com sua presença? Não, não dá pra dizer isso.
Ei, seu velho, será que você pode me abraçar como se estivéssemos caindo de uma ponte porque eu estou aqui sem chão com sua presença? Não, você não pode dizer isso.
Ei, monstro do lixo, será que você pode me beijar como um beijo de final de filme porque eu estou aqui sem saliva, sem ar, sem vida com a sua presença? Definitivamente, não, melhor não.
Amor não se pede, é uma pena.
É uma pena correr com pulinhos enganados de felicidade e levar uma rasteira.
É uma pena ter o coração inchado de amar sozinha, olhos inchados de amar sozinha. Um semblante altista de quem constrói sozinho sonhos.
Mas você não pode, não, eu sei que dá vontade, mas não dá pra ligar pro desgraçado e dizer: ei, tô sofrendo aqui, vamos parar com essa estupidez de não me amar e vir logo resolver meu problema?
Mas amor, minha querida, não se pede, dá raiva, eu sei.
Raiva dele ter tirado o gosto do mousse de chocolate que você amava tanto.
Raiva dele fazer você comer cinco mousses de chocolate seguidos pra ver se, em algum momento, o gosto volta.
Raiva dele ter tirado as cores bonitas do mundo, a felicidade imensa em ver crianças sorrindo, a graça na bobeira de um cachorro querendo brincar.
Ele roubou sua leveza mas, por alguma razão, você está vazia.
Mas não dá, nem de brincadeira, pra você ligar pro cara e dizer: ei, a vida é curta pra sofrer, volta, volta, volta.
Porque amor, meu amor, não se pede, é triste, eu sei bem. É triste ver o Sol e não vê-lo se irritar porque seus olhos são claros demais, são tristes as manhãs que prometem mais um dia sem ele, são tristes as noites que cumprem a promessa.
É triste respirar sem sentir aquele cheiro que invade e você não olha de lado, aquele cheiro que acalma a busca. Aquele cheiro que dá vontade de transar pro resto da vida.
É triste amar tanto e tanto amor não ter proveito. Tanto amor querendo fazer alguém feliz.
Tanto amor querendo escrever uma história, mas só escrevendo este texto amargurado.
É triste saber que falta alguma coisa e saber que não dá pra comprar, substituir, esquecer, implorar.
É triste lembrar como eu ria com ele.
Mas amor, você sabe, amor não se pede. Amor se declara: sabe de uma coisa?
Ele sabe, ele sabe. "



TATI BERNARDI

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Meu príncipe encantado...


"Aos quinze anos, espera-se que o príncipe encantado venha montado num cavalo branco. Aos vinte, a exigência torna-se menor: o cavalo pode ser pardo. Aos vinte e cinco, admite-se a possibilidade de que o cavalo seja um pangaré. Aos trinta, o cavalo nem é mais necessário, pode vir num jegue mesmo!
É mais ou menos assim que as expectativas vão se acomodando dentro do coração da gente à medida que o tempo passa. Quanto maior o horizonte de possibilidades, maiores são as exigências que fazemos. Isso nos faz lembrar as palavras do filósofo francês Sartre: “A angústia nasce das possibilidades”.
Ter mais de uma opção faz que o coração se divida para exercer a escolha. É mais ou menos isso que o seu coração tão jovem experimenta quando ele tem que escolher alguém a quem você dedicará os seus afetos. E você não pode negar que, de alguma forma, você participa deste grande leilão de amores, onde prevalece a lei da oferta e da procura: às vezes, você se oferta; às vezes, você procura; outras, entra em liquidação. E assim vai.
É muito comum nos dias de hoje encontrar meninas e meninos que, aos 17 anos, já se sentem na liquidação. Passaram por inúmeros “proprietários” e, depois, foram devolvidos. Provaram a triste e dolorosa experiência de sentirem-se descartados como se fossem objetos de consumo que, depois de usados, são jogados fora.
O mito do amor romântico
Assim segue a vida, fortemente marcada pelos signos do amor romântico, onde mocinhas acorrentadas na torre ansiosamente esperam pelos príncipes que virão em seus poderosos cavalos brancos para libertá-las da condição de acorrentadas.
É interessante que, no mito do amor romântico, a força arrebatadora do amor sempre vence a altura das torres e os projetos ardilosos de maquiavélicas madrastas. O beijo final é a concretização feliz de um processo de luta e de busca que parece ser metáfora do sonho humano de, um dia, finalmente descansar nos braços de um amor eterno. É justamente por isso que essas histórias permanecem vivas no inconsciente coletivo, visto que expressam nosso desejo de ser personagens de conto de fadas.
Que seja eterno
Mas a vida é real e, por ser real, os cavalos não são tão brancos, os príncipes não são tão belos e as princesas têm frieiras nos dedos dos pés.
No momento em que percebemos a inadequação entre sonho e realidade, descobrimos que o amor que pensávamos que tínhamos pelo outro na verdade não passava de uma projeção de nossas carências e idealizações.
Não podemos nos esquecer de que o amor humano só é possível a partir da precariedade. Somos a mistura de qualidades e defeitos, de belezas e feiúras. O amor só é verdadeiramente consistente no dia em que descobrimos o que o outro tem de melhor e de pior. O problema é que, na projeção de nossas necessidades, cegamo-nos para o real, para o verdadeiramente possível.
Com isso, passamos a esperar o que não existe, o que não se dará justamente por estar fora do horizonte de nossas possibilidades.Portanto, o seu príncipe tão esperado até pode existir. E a sua princesa tão desejada pode até estar escondida em algum lugar, mas por favor, seja realista! É preciso baixar as expectativas. O amor da sua vida virá, mas não creio que seja tudo isso que você espera.
Cavalos brancos são muito raros nos dias de hoje. É mais fácil o seu príncipe chegar num fusquinha azul clarinho modelo 67.
E a sua princesa, até creio que ela esteja esperando por você, mas não que ela esteja numa torre, envolvida numa atmosfera de encanto. É mais provável encontrá-la atrás de um balcão de padaria ou até mesmo no caixa do supermercado mais próximo.
Mas não tem problema. Embora os moldes sejam diferentes dos contos de fadas, vocês também têm o direito de viverem felizes para sempre! ."


Pe. Fábio de Melo

frases soltas


Carlos Drummond de Andrade

Mulher de 30......


Cibele Santos

Cadê a tampa da minha panela, o chinelo do meu pé cansado, a metade da minha laranja?



"Tá em ebulição, vazando, transbordando, e nada da tampa da panela pra socorrer a lambança. É culpa da pressão que eu ponho em tudo isso? É o que dizem: desencana que uma hora ele aparece. O pé cansado já tentou calçar (à força) do chinelão que descola as tiras ao sapatinho de cristal. Nenhum serviu e o coitado tá todo esfolado.

Ninguém pra descascar, chupar ou fazer uma laranjada. Em compensação, laranjas na minha vida não faltam. E chega! Há anos peço o príncipe e só me mandam o cavalo.

Fim de ano sem amar é deprê, hein? Tô megera o suficiente pra ver uma família feliz no shopping e pensar que aquela instituição "image bank" não passa de uma união solitária de aparências. Tô megera o suficiente pra furar a fila do Papai Noel e pedir um pirulito, bem grande, bem grosso, bem exclusivamente apaixonado por mim.

Tô megera o suficiente pra abraçar os veadinhos do trenó em homenagem aos meus ex-casos. Tô megamegera o suficiente pra não admitir minha carência e dar uma risada debochada de todas as luzes, canções e emoções de boas-festas.

Tá, mas no especial do Roberto Carlos não vai dar pra ser megera. O filho da mãe sempre me faz chorar. É impressionante como a gente se sente sozinha na porra do especial do Roberto Carlos.

É claro que eu desejo o meu sucesso profissional, dinheiro, saúde, ..., mas nada de atacar para todos os lados nas simpatias deste réveillon. Não dá certo. Este ano vou focar no amor: calcinha vermelha, fitinhas vermelhas e as sete ondas vão ser puladas com a mão no coração (se eu usar a frente-única branca que comprei, é bom que a mão no coração já segura um peito) e uma só intenção: encontrar o danado.

Ah, sejamos sinceras mulheres modernas: no fundo, no fundo, a gente quer mesmo é alguém pra dormir protegida no peito (de preferência largo, forte e levemente cabeludo).

E nem é medo de ficar pra titia não, além de ter cara de mais nova e ser bem nova, eu sou filha única. É vontade de sentir aquela coisinha misteriosa de "é esse!". Como será sentir isso? Eu sempre sinto que "pode ser esse, ou talvez com algumas mudancinhas possa ser esse ou talvez se ele quisesse, poderia ser esse...". Não, isso tá errado. Quero sentir que "é esse".

Dizem que materializar os sonhos escrevendo ajuda, então lá vai: quero transar com beijo na boca profundo, olhos nos olhos, eu te amo e muita sacanagem, quero cineminha com encosto de ombro cheiroso, casar de branco, ser carregada no colo, filhos, casinha no campo com cerquinha branca, cachorro e caseiro bacana. Quero ouvir Chet Baker numa noite chuvosa e ter de um lado um livrinho na cabeceira da cama e do outro o homem que amo.

Quero sambão com churrasco e as famílias reunidas. Quero ter certeza, ali no fundo da alma dele, de que ele me ama. Quero que ele saia correndo quando meu peito amargurado precisar de riso. Que ele esqueça, de vez em quando, seu lado egoísta, e lembre do meu. Que a gente brigue de ciúmes, porque ciúmes faz parte da paixão, e que faça as pazes rapidamente, porque paz faz parte do amor.

Quero ser lembrada em horários malucos, todos os horários, pra sempre. Quero ser criança, mulher, homem, et, megera, maluca e, ainda assim, olhada com total reconhecimento de território. Quero sexo na escada e alguns hematomas e depois descanso numa cama nossa e pura. Quero foto brega na sala, com duas crianças enfeitando nossa moldura. Quero o sobrenome dele, o suor dele, a alma dele, o dinheiro dele (brincadeira...).

Que ele me ame como a minha mãe, que seja mais forte que o meu pai, que seja a família que escolhi pra sempre. Quero que ele passe a mão na minha cabeça quando eu for sincera em minhas desculpas e que ele me ignore quando eu tentar enrolá-lo em minhas maldades. Quero que ele me torne uma pessoa melhor, que faça sexo como ninguém, que invente novas posições, que me faça comer peixe apimentado sem medo, respeite meus enjôos de sensibilidade, minhas esquisitices depressivas e morra de rir com meu senso de humor arrogante.

Que seja lindo de uma beleza que me encha de tesão e que tenha um beijo que não desgaste com a rotina. Que a sua remela seja sequinha e não gosmenta e que o tempo leve um pouco de seu cabelo (adoro carecas...). Que suas escatologias não passem de piada e se materializem bem longe de mim. Tem que gostar de crianças, de cachorrinhos, da minha mãe, e tem que odiar ver pessoas procurando comida no lixo. Tem que dançar charmoso, ser irônico, ser calmo porém macho (ou seja, não explodir por nada mas também não calar por tudo). Tem que ser meio artista, mas também ter que saber cuidar dos meus problemas burocráticos. Tem que amar tudo o que eu escrevo e me olhar com aquela cara de "essa mulher é única".

É mais ou menos isso. Achou muito? Claro que não precisa ser exatamente assim, tintim por tintim. Exigir demais pode fazer eu acabar sozinha em mais shows do Roberto Carlos. Deus me livre! Bom, analisando aqui, dá pra tirar umas coisinhas. Deixa eu ver... Resumindo então: tem que dizer que me ama e me amar mesmo, tem que rolar umas sacanagens e não pode ter remela gosmenta. Pronto!

E quando eu tiver tudo isso e uma menina boba e invejosa me olhar e pensar que "aquela instituição feliz não passa de uma união solitária de aparências" vou ter pena desse coração solitário que ainda não encontrou o verdadeiro amor."


TATI BERNARDI

A DOR DA SEPARAÇÃO

"A separação das pessoas que amamos (pais, filhos, netos, namoradas, esposas, parentes ou amigos) é uma circunstância inevitável na vida de todos nós. As razões e ocasiões, obviamente, é que variam. Varia, também, a intensidade da dor que sentimos, conforme o grau de afeição que tínhamos por quem fomos forçados, por algum motivo, a nos separar. Mas se houver um mínimo de afeto envolvido, essa horrível sensação de perda, a frustração da ausência e a incerteza quanto ao reencontro, se fazem sempre presentes, e não raro nos deixam profundas cicatrizes na alma, que se apagam, apenas, quando morremos.

Pior é quando a separação é irreversível. Quando a pessoa que amamos, por exemplo, se muda para uma cidade, para a qual dificilmente iremos algum dia por causa da distância (ou ela não virá, pelo mesmo motivo), quando não para outro país e, às vezes, até para outro continente, do outro lado do mundo.

Essa mudança, claro, também pode ser a nossa. Não importa, no caso, quem mudou. Importa que nos separamos de quem nos dava afeto e por quem nutríamos profunda afeição. Muitíssimo pior, ainda, é quando é a morte que nos separa. Aí, não tem jeito mesmo. Temos que nos contentar somente com lembranças que, não raro, em vez de nos consolarem, multiplicam nossa sensação de perda e de desamparo, a nossa carência afetiva.

Refiro-me, aqui, ao citar separações de pais, filhos e/ou esposa, a lares equilibrados e harmoniosos em que reinem o respeito e o amor mútuos. Há aqueles (que sequer podem receber esse honrado nome) que são autênticas sucursais do inferno, cuja saída se constitui em libertação e, portanto, em alívio. Desses, deixo para tratar em outra ocasião.

Sempre chega, em nossa vida, o momento de cortarmos, pela segunda vez, o cordão umbilical, que nos liga a nossos pais (a primeira, óbvio, é na maternidade, em nosso nascimento). Em alguns casos, isso tarda muito a acontecer, em outros, é precoce, rápido e fulminante.

Muitos adolescentes, naquela fase típica, tão nossa conhecida, pela qual todos passamos algum dia, a da rebeldia sem causa, entendem que, saindo de casa, estarão manifestando seu senso de independência, embora não estejam preparados para esse exercício. Quebram a cara, evidentemente! Alguns, têm a humildade do retorno. Outros, sofrem o diabo, mas não dão o braço a torcer.

Temos um terceiro momento de corte do cordão umbilical, mas desta vez é o que nos liga à prole que geramos. E essa separação, convenhamos, não dói menos do que as duas anteriores. Não raro, a dor é até maior. Cansamo-nos de ouvir (e de afirmar) que os filhos não são propriedades nossas (não são mesmo) e que os geramos não para o nosso deleite e proveito, mas para o mundo (e é de fato).

Contudo, quando chega o momento de mostrar isso na prática... É um Deus nos acuda!Ainda quando os filhos saem de casa para uma condição melhor – ou porque lhes surgiu alguma oportunidade profissional imperdível, ou porque fizeram um casamento feliz e por amor ou por outra circunstância favorável qualquer – não nos sentimos tão mal.

Contudo, mesmo que não confessemos a ninguém, isso, sem dúvida nenhuma, dói. Não são raras as vezes em que (se não dizemos, pelo menos pensamos assim) achamos que os filhos nunca deveriam crescer. Deveriam permanecer, para sempre, com aquela idade entre os seis e sete anos, em que mais do que pessoas de carne e osso, são “ pura poesia ambulante”. Mas crescem. E lá um belo dia, chega o momento de “baterem asas” do ninho.

Para nós, porém, seu status nunca muda. Quando nos referimos aos filhos, até inconscientemente, chamamo-los, invariavelmente, de “minhas crianças”, mesmo que tenham cinqüenta anos ou mais nas costas e numerosa prole. Quem já não se pilhou dizendo isso? É uma atitude para lá de normal. Eu digo isso a todo o momento, para a esposa, para os amigos, para os conhecidos etc.Não raro, os filhos, quando casam, passam a morar na mesma cidade, às vezes no mesmo bairro, quando não na mesma rua que nós. No princípio, nos visitam praticamente todos os dias. Com o tempo, todavia, essas visitas vão se espaçando, se espaçando, se espaçando, tornando-se crescentemente menos constantes, até que se limitam, apenas, ao nosso aniversário, aos Dias das Mães e dos Pais, à Páscoa e ao Natal, quando muito. Isso quando não cessam de vez e não se tornam anuais ou até de décadas.

Restam-nos, então, somente uma multidão de lembranças – a primeira vez que cada um se sentou sozinho, as primeiras engatinhadas, os primeiros passos, as primeiras palavras balbuciadas e vai por aí afora – e a dor da separação, que fica latejando, latejando e latejando em nosso peito e em nossa memória, sem nunca cessar. Como se vê, amar é muito bom... mas dói como quê! "


Pedro J. Bondaczuk

Crônica da Separação

"Às vezes a vida é o que não parecia dever ser. E nos acomodamos de tal forma que não percebemos que ela passa e leva embora nossos sonhos, nossas alegrias. Nisso formam-se chagas incuráveis que hão de sangrar eternamente mesmo que a dor do punhal perfurando as entranhas passe. E o sangue, mais rubro que o próprio sol, corrói a pele pelos poros até que a própria pele se torne sangue, um sangue incolor e salgado que deságua em forma de amor até o coração. Às vezes a vida leva o que nos era de melhor para um mundo oblíquo, e o rastro desse arrastar de ponteiros e passos fica cravado a ferro na nossa mente, para jamais ser esquecido, apesar de nunca ser lembrado.

E o nosso melhor deixa o vazio em seu lugar, e este toma forma e corpo, aumenta de densidade e vai se apoderando do todo; e quando chega nas lembranças mais ternas e pueris se desfaz, em risos entre prantos, em sorrisos entre lágrimas, em amor em meio a dor. Às vezes a ausência é o único caminho para a presença; que é quando se sente quando não se há, quando se abre ao se fechar, quando a desfeita é uma feita transversa. E nesse ponto a única solução é a solidão, para evitar que se fique solitário; então há a evocação... e a partir daí apenas o adeus é benvindo e celebrado, apesar da dor aparente, sua razão é pelo amor, mais puro do que nunca, quando supera a si próprio abraçando o altruísmo egoísta, que é quando o seu melhor para a ser o melhor do outro."


Maria Ligia Ueno

terça-feira, 8 de setembro de 2009

frases soltas


Caio Fernando de Abreu

Rifa-se um coração

"Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste
em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que na realidade está um
pouco usado, meio calejado, muito machucado
e que teima em alimentar sonhos e, cultivar ilusões.
Um pouco inconseqüente que nunca desiste
de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado coração
que acha que Tim Maia
estava certo quando escreveu...
"...não quero dinheiro, eu quero amor sincero,
é isso que eu espero...".
Um idealista...Um verdadeiro sonhador...
Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece, e mantém sempre viva a
esperança de ser feliz, sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando
relações e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração que insiste em cometer
sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome
de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado.
Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional
que abre sorrisos tão largos que quase dá
pra engolir as orelhas, mas que
também arranca lágrimas
e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado,
ou mesmo utilizado
por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado indicado apenas para
quem quer viver intensamente
contra indicado para os que apenas pretendem
passar pela vida matando o tempo,
defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração tão inocente
que se mostra sem armaduras
e deixa louco o seu usuário.
Um coração que quando parar de bater
ouvirá o seu usuário dizer
para São Pedro na hora da prestação de contas:
"O Senhor pode conferir. Eu fiz tudo certo,
só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não endurecer e,
se recusa a envelhecer"
Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por
outro que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate
tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconseqüente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda
não foi adotado, provavelmente, por se recusar
a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio,
sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento
até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que,
mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar,
mas vez por outra,
onstrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence
seu usuário a publicar seus segredos
e a ter a petulância de se aventurar como poeta
Clarice Lispector

Mulher de 30......

Cibele Santos

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Recado

"Quando quiseres me amar não escolhas tempo nem lugar.


Quando chegares, diremos baixinho

o soneto de todos os amantes.

Faremos de nossos dedos

demiurgos recriando a noite,

em régua e compasso transformaremos nossas mãos.

Inventaremos uma geometria do amor:

procuraremos a linha reta de nossos olhares,

apararemos as arestas de nossos corpos,

em quinas e ângulos uniremos nossas bocas,

e num ponto qualquer fixaremos o azulado das manhãs.

Quando quiseres me amar,

não escolhas tempo nem lugar.

Deixarei a porta aberta,

a casa limpa, uma saudade te esperando em cada canto."

Carlos A. Jales

frases soltas

Clarice Lispector

Mulher de 30......


Cibele Santos

sábado, 5 de setembro de 2009

frases soltas

Caio Fernando de Abreu

Mulher de 30......




Cibele Santos

Ternura

"Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçurados que aceitam melancolicamente.
E posso te dizerque o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora."
Vinícius de Moraes

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

frases soltas


Clarice Lispector

Mulher de 30......





Cibele Santos

Para quem me odeia

"Eu te amo. E não seria metade do que sou sem você, juro. É seu ódio profundo que me dá forças para continuar em frente, exatamente da minha maneira. Prometa que nunca vai deixar de me odiar ou não sei se a vida continuaria tendo sentido para mim. Eu vagaria pelas ruas insegura, sem saber o que fiz de tão errado. Se alguém como você não me odeia, é porque, no mínimo, não estou me expressando direito.


Sei que você vive falando de mim por aí sempre que tem oportunidade, e esse tipo de propaganda boca a boca não tem preço. Ainda mais quando é enfática como a sua - todos ficam interessados em conhecer uma pessoa que é assim, tão o oposto de você.
E convenhamos: não existe elogio maior do que ser odiado pelos odientos, pelos mais odiosos motivos. Então, ser execrada por você funciona como um desses exames médicos mais graves, em que "negativo" significa o melhor resultado possível. Olha, a minha gratidão não tem limites, pois sei que você poderia muito bem estar fazendo outras coisas em vez de me odiar - cuidando da sua própria vida, dedicando-se mais ao seu trabalho, estudando um pouco. Mas não: você prefere gastar seu precioso tempo me detestando. Não sei nem se sou merecedora de tamanha consideração.
Bom, como você deve ter percebido, esta é uma carta de amor. E, já que toda boa carta de amor termina cheia de promessas, eis as minhas: Prometo nunca te decepcionar fazendo algo de que você goste. Ao contrário, estou caprichando para realizar coisas que deverão te deixar ainda mais nervoso comigo.
Prometo não mudar, principalmente nos detalhes que você mais detesta. Sem esquecer de sempre tentar descobrir novos jeitos de te deixar irritado.
Prometo jamais te responder à altura quando você for, eventualmente, grosseiro comigo, ao verbalizar tão imenso ódio. Pois sei que isso te faria ficar feliz com uma atitude minha, sendo uma ameaça para o sentimento tão puro que você me dedica.
Prometo, por último, que, se algum dia, numa dessas voltas que a vida dá, você deixar de me odiar sem motivo, mesmo assim continuarei te amando. Porque eu não sou daquelas que esquece de quem contribuiu para seu sucesso. Pena que você não esteja me vendo neste momento, inclusive, pois veria o meu sincero sorrisinho agradecido - e me odiaria ainda mais."

Fernanda Young

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Não sei...

"Não sei... se a vida é curta...
Não sei...
Não sei...
se a vida é curta
ou longa demais para nós.
Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura...
enquanto durar. "



Cora Coralina