sábado, 31 de julho de 2010

Mulher Perdigueira

"Meus amigos reclamam quando suas namoradas o perseguem. Lamentam o barraco do ciúme, a insistência dos telefonemas para falarem praticamente nada, o cerceamento dos horários.

Sempre as mesmas tramas de tolhimento da liberdade, que todos concordam e soltam gargalhadas buscando um refúgio para respirar. Eu me faço de surdo.
Fico com vontade de pedir emprestada a chave da prisão para passar o domingo. Acho o controle comovente. Invejável.
Não sou favorável à indiferença, à independência, ao casamento sartreano. Fui criado para fazer um puxadinho, agregar família, reunir dissidentes, explodir em verdades. Duas casas diferentes já é viagem, não me serve.
Aspiro ao casamento pirandelliano, um à procura permanente do outro. Sou um totalitário na paixão. Um tirano. Um ditador. Não me dê poder que escravizo. Não me dê espaço que cultivo. Não me eleja democraticamente que mudo a constituição e emendo os mandatos.
Quero uma mulher perdigueira, possessiva, que me ligue a cada quinze minutos para contar de uma ideia ou de uma nova invenção para salvar as finanças, quero uma mulher que ame meus amigos e odeie qualquer amiga que se aproxime. Que arda de ciúme imaginário para prevenir o que nem aconteceu. Que seja escandalosa na briga e me amaldiçoe se abandoná-la. Que faça trabalhos em terreiro para me assustar e me banhe de noite com o sal grosso de sua nudez. Que feche meu corpo quando sair de casa, que descosture meu corpo quando voltar. Que brigue pelo meu excesso de compromissos, que me fale barbaridades sob pressão e ternuras delicadíssimas ao despertar. Que peça desculpa depois do desespero e me beije chorando.
A mulher que ninguém quer, eu quero. Contraditória, incoerente, descabida. Que me envergonhe para respeitá-la. Que me reconheça para nos fortalecer.
A mulher que não sabe amar recuando e não tolera que eu ame atrasado. Que parcele em dez vezes seu dia, que não pague a conversa à vista na hora do jantar, que não junte suas notícias para contar de noite como um relatório. Admiro os bocados, as porções, as ninharias. Alegria pequena e preciosa de respirar rente ao seu nariz e definir com que roupa vou ao serviço.
O amor é uma comissão de inquérito, é abrir as contas, é grampear o telefone, é cheirar as camisas. É também o perdão, não conseguir dormir sem fazer as pazes.
O amor é cobrança, dor-de-cotovelo, não aceitar uma vida pela metade, não confundi-la com segurança. Exigir mais vontade quando ela se ofereceu inteira. Enlouquecê-la para pentear seus cabelos antes do vento. Enervá-la para que diga que não a entende. E entender menos e precisar mais.
Quem aspira ao conforto que se conserve solteiro. Eu me entrego para dependência. Não há nada mais agradável do que misturar os defeitos com as virtudes e perder as contas na partilha.
Não há nada mais valioso do que trabalhar integralmente para uma história. Não raciocinar outra coisa senão cortejá-la: avisá-la para espiar a lua cheia, recordar do varal quando começa a chover, decorar uma música para surpreendê-la, sublinhar uma frase para guardá-la.
Sou doido, mas doido varrido. Bem limpo. Aprendi a usar furadeira e agora entro fácil em parafuso. Quero uma mulher imatura, que possa adoecer e se recuperar do meu lado. Uma mulher que me provoque quando não estou a fim. Que dance em minhas costas para me reconciliar com o passado. Que me acalme quando estou no fim do filtro. Que me emagreça de ofensas.
Não me interessa um tempo comigo quando posso dividir a eternidade com alguém.
Quero uma mulher que esqueça o nome de seu pai e de sua mãe para nascer em meus olhos. Em todo momento. A toda hora. Incansavelmente. E que eu esteja apaixonado para nunca desmerecê-la, que esteja apaixonado para não diminuí-la aos amigos. "

Fabricio Carpinejar

A felicidade é um jeito de viver


"A felicidade é um jeito de viver.

Não curta somente a calmaria, aproveite a tempestade.
Tudo enriquece a vida.
Ela não pode ser vivida somente dentro de uma casa,
a vida tem que ser experimentada dentro do Universo.
A felicidade é um jeito de viver,
é uma postura de vida,
é uma maneira de estar agradecido a tudo,
não somente ao sol, mas também à lua,
não somente a quem lhe estende a mão,
mas também a quem o abandona,
pois certamente nesse abandono
existe a possibilidade de descobrir a força
que existe dentro de você."


Roberto Shinyashiki

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Mulher de 30

Cibele Santos

Garfield


Jim Davis

Frases Soltas

Começando a despertar

"Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que tudo começou a ganhar uma cara que, no fundo, eu já conhecia, mas havia esquecido como era. Comecei a despertar do sono estéril que, com suas mãos feitas de medo e neblina, fez minha alma calar. E foi então que comecei a ouvir o canto de força e ternura que a vida tem.

Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que ninguém começa a despertar antes do instante em que algo em nós consegue deixar à mostra o truque que o medo faz. Só então a gente começa, devagarinho, para não assustar o medo, a refazer o caminho que nos leva a parir estrelas por dentro e a querer presentear o mundo com o brilho do riso que elas cantam. Só então a gente começa a entender o que é esse sol que mora no coração de todas as coisas. Não importa com que roupa elas se vistam: ele está lá.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a lembrar de onde é o céu e a perceber que o inferno é onde a gente mora quando tudo é sono. Comecei a sair dos meus desertos. E a olhar, ainda que timidamente, para todas as miragens, sem tanto desprezo, entendendo que havia um motivo para que elas estivessem exatamente onde as coloquei. Nenhum livro, nenhum sábio, nada poderia me ensinar o que cada uma me trouxe e o que, com o passar do tempo, continuo aprendendo com elas. Dizem que só é possível entendermos alguns pedaços da vida olhando para eles em retrospectiva. Acho que é verdade.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a compreender o respeito e a reverência que a experiência humana merece. A me dar conta de delícias que passaram despercebidas durante um sono inteiro. E a lembrar do que estou fazendo aqui. Ainda que eu não faça. Ainda que os vícios que o sono deixou costumem me atrapalhar. Ainda que, de vez em quando, finja continuar dormindo. Mas não tenho mais tanta pressa. Comecei a aprender a ser mais gentil com o meu passo. Afinal, não há lugar algum para chegar além de mim. Eu sou a viajante e a viagem.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a querer brincar, com uma percepção mais nítida do que é o brinquedo, mas também com um olhar mais puro para o que é o prazer. A ouvir o chamado da minha alma e a querer desenhar uma vida que passe por ele. A assumir a intenção de acordar a cada manhã sabendo para o quê estou levantando e comprometida com isso, seja lá o que isso for, porque, definitivamente, cansei de perambular pelos dias sem um compromisso genuíno. E comecei a gritar por liberdade de uma forma que me surpreendeu. Antes eu também gritava, mas o medo sufocava o grito para que eu não me desse conta do quanto estava presa.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a desejar menos entender de onde vim e a desejar mais aprender a estar aqui a cada agora. Só sei que descobri que a solidão é estar longe da própria alma. Que ninguém pode nos ferir sem a nossa cumplicidade. Que, sem que a gente perceba, estamos o tempo todo criando o que vivemos. Que o nosso menor gesto toca toda a vida porque nada está separado. Que a fé é uma palavra curta que arrumamos para denominar essa amplidão que é o nosso próprio poder.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que não importam todos os rabiscos que já fizemos nem todos os papéis amassados na lixeira, porque todo texto bom de ser lido antes foi rascunho. E, por mais belo que seja, é natural que, ao relê-lo, percebamos uma palavra para ser acrescentada, trocada, excluída. A ausência de uma vírgula. A necessidade de um ponto. Uma interrogação que surge de repente. Viver é refazer o próprio texto muitas, incontáveis, vezes.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. O que sei é que não quero aquele sono outra vez."

Ana Jácomo

O controle remoto é meu

"A mulher assumiu a maior parte das direções da vida masculina: a filial, a amorosa, a da casa e a da empresa. Não reclamamos: o mundo está finalmente em ordem e bem mais justo. Mas não aceitamos que a mulher deseje mandar na direção de nosso mijo. É demais, é autoritarismo, é extrapolar o poder. É entrar num dos últimos redutos da masculinidade, ao lado de matar baratas. É promover a extinção da espécie.

Ela vem com um moralismo de faxineira, uma censura de governanta, explicando que é fácil mirar no vaso, que não entende o descontrole, como despejamos a mangueira para o piso, professa o desleixo e a ausência de vontade.
Claro que não entende, faz xixi sentada. Desconsidera uma experiência inacreditavelmente diferente.
Conclui que é prender firme e centrar o ângulo, que é pouca a distância, elementar como bater um pênalti, e esquece a alta taxa de desperdício dos cobradores nos campeonatos.
Muitas mães tentam evitar a sujeira e ensinam os meninos a sentar na patente. É um travestimento perigoso. Não percebem o mal que estão cometendo, gerando problemas na sexualidade dos filhos devido a uma mania de limpeza. Afetará as posições sexuais no futuro e aumentará a preguiça na busca pelo prazer.
A mulher confunde o mijo do seu parceiro com um esporte: dardo ou arco em flecha. Confia na preparação existencial, na força psicológica do exercício e do condicionamento. Falta apenas aconselhar a contratação de um personal trainer e treinador, e incitar a desenvolver o talento e competir nas olimpíadas domésticas. Ficaria estranho entrar no banheiro acompanhado, logo seu varão sairia com camisa cavada e piercing no umbigo.
Receio que instale câmera na descarga para acompanhar as investidas ou, quem sabe, crie uma autoescola de mijo, com um mínimo de 20 aulas práticas e aprovação em psicotécnico a partir de desenhos, placas e passo a passo.
Ela vive dando orientações que desse jeito não dá para continuar. Reclama da tortura de sentar na tampa úmida, do cheiro de rodoviária e recorre a uma filosofia preventiva de infecção hospitalar. Usa, inclusive, o golpe baixo de alardear que não se pensa na bunda da criança que ocupa o trono em seguida.
Por que ela não defende a limpeza depois da bagunça, em vez de insistir para que não aconteça o irremediável?
Não é que o homem distorce a pontaria quando está bêbado. Ele é naturalmente bêbado. Nasceu embriagado, amaldiçoado a segurar um misto de rojão e peteca. De repente, está mole e no meio endurece e muda a frequência da velocidade. Não há monotonia nos movimentos. Não há freio nas veias. É uma guinada abrupta no planejamento do ritmo. Os pilotos mais experientes aguentam a alternância; de qualquer forma, o balanço do final atinge a todos. A balançadinha estraga a operação até então impecável, limpa, escorreita. A saída desmoraliza o andamento higiênico da mijada. O suspiro desordenado do jato acaba impulsionando a venda dos desinfetantes. E sofre muito mais quem tem fimose ou o contrário, aquele que foi circuncidado, sem pele para conter a pressão.
Se a esposa e namorada está magoada com o caos, peça que coloque mictório no toalete. Nas situações extremas, uma banheira para não penar mais com o assunto.
Caso não funcionar, sugiro que segure um dia para descobrir o que significa. Daí acho que vai virar outra coisa e tudo continuará como está."

Fabricio Carpinejar

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Para atravessar Agosto

"Para atravessar agosto ter um amor seria importante,

mas se você não conseguiu,
se a vida não deu, ou ele partiu - sem o menor pudor, invente um.
remoto ou acessível,
que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto,
viajar por ilhas do Pacífico Sul,
Grécia, Cancún ou Miami,
Que se possa sonhar, isso é que conta,
com mãos dadas,
suspiros,  juras,  projetos,
abraços no convés à lua cheia,
brilhos na costa ao longe.
E beijos, muitos.  Bem molhados.
Não lembrar dos que se foram,
não desejar o que não se tem
e talvez nem se terá,
não discutir, nem vingar-se,
e temperar tudo isso com chás,
de preferência ingleses,
cristais de gengibre, gotas de codeína,
se a barra pesar, vinhos, conhaques -
tudo isso ajuda a atravessar agosto."

Caio Fernando de Abreu

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Meu namorado imaginário

"Meu namorado imaginário tem mais ou menos a mesma idade que eu, não fuma, gosta de filosofia (pode não entender nada, mas tem que achar lindo!rs), não tem história mal-resolvida com ninguém, gosta de cinema, domingo em casa, passeio no parque, e é absolutamente encantado pela beleza das coisas pequenas.... um cheiro, um beijo, um carinho, um jasmim. Sem motivos. A gente tem um cachorro (que pode morar na casa dele, já que meu apartamento é MUITO pequeno), planos compartilhados de visitar o Oriente, plantar flores num jardim e passar férias longas em um país estrangeiro. Desses bem esquisito. A gente se entende pelo olho, pele, saliva, coração. Nosso tesão começa é na alma. Só que explode.

Meu namorado imaginário tem o sorriso mais bonito do planeta terra. E quando sorri de cantinho (disfarçando pra eu não ver que ele não gostou do meu sapato cor de melancia), eu finjo que fico brava mas na verdade eu acho lindo. E ele me abraça de um jeito que me faz sentir mais perto de Deus. E a gente se encontra naquele intervalo entre as coisas que são ditas e as coisas que as palavras não alcançam... e se transubstancia... em galáxias, cores, cometas, estrelas, incandescências... tudo ao mesmo tempo.... (imanências).
Meu namorado imaginário, às vezes vai comprar pão quentinho de manhã bem cedo, mas às vezes fica na cama ronronando feito um gatinho, cheio de manha, até tarde enquanto pede mais um dengo emburrado. E a gente se embola num aconchego gostoso de quem esqueceu que segunda é dia de trabalho... e as histórias de domingo estampam sorrisos mudos que nos escorrem pelos olhos. E a gente chora sem lágrimas. E se sente meio como numa história de cinema. Francês.
Meu namorado imaginário apóia meus sonhos, mesmo que não concorde com eles. É um homem que admiro muito mais do que consigo expressar com palavras. Tem manias tão irritantes quanto lindas que nos rendem as mais inusitadas histórias. Como ter medo de escuro ou não lavar a camisa em dia de jogo contra o Palmeiras. Ele me ensina a ser uma pessoa melhor. E me entende quando eu não consigo. Porque ninguém consegue às vezes. Nem ele.
Com meu namorado imaginário cada dia é um mergulho. E eu não preciso ter medo, porque nosso desejo é enternecer nosso universo. De um jeito que a gente não entende, mas que vibra e de repente faz tudo parecer que tem sentido. E a gente entende, como naquele texto da Marla, que encontramos leveza nas emoções que nos transbordaram porque estávamos prontos.... e escrevemos um dicionário de palavras distraídas. Adentramos no corpo de um poema recente, ainda disforme e falamos de amor usando a metáfora mais inocente... E então agradecemos profundamente por esta outra pessoa inteira, que jamais será uma metade e que, para a soma, com todas as alternativas que teve, preferiu seguir ... "ti a mim, me a ti, e tanto"...
Quando? Onde? Quem? Eu não sei. Mas talvez, como numa metáfora de cinema, o mais importante seja mesmo a jornada e não a meta.... Um dia a gente se encontra e ele me reconhece. Tenho fé em Deus."

Elenita Rodrigues

Pode Iludir

"Pode iludir suas meninas com poucas palavras. Pode ser o melhor da vida delas e não querer nada sério. Faz elas acreditarem que você vai mudar, que você vai deixar de querer todas e nenhuma. Promete pra cada uma delas que vai beber menos e abraçar mais.Mas vem me contar depois. Deixa eu te explicar que elas sofrem por serem mulheres e que um dia você vai achar uma que não seja tão superficial. Deixa eu te jogar mil indiretas enquanto te aconselho sobre as outras.Enquanto isso, eu sou a que não é tão superficial mas mora longe demais pra mudar sua vida. Enquanto isso eu te espero porque sei que você vai chegar. Eu nunca pedi mais que isso, na verdade eu nunca pedi nada. Eu só me fiz presente e fiz falta pra deixar você existir melhor que qualquer um. "

Verônica H.

Sol

"Neste exato segundo em que o planeta terra passeia pelo sistema solar, há uma infinidade de vidas que se iniciam e outra infinidade que chega ao fim. É natural. Talvez chegue um dia em que morrer será a exceção e o mundo atingirá sua lotação. Para isso existe a ciência, a medicina: evitar que a vida chegue ao fim. Viver alcança seu valor máximo. Tanta gente aprendendo a sorrir com conquistas, mas a maioria ensaiando o futuro. Não é o que eu quero. Quero mesmo é o presente. Cansei de me preparar para um dia que pode não chegar. Existe vida no agora? Se houver, eu vou encontrar.

Eu tenho essa urgência de viver, essa pressa de qualquer coisa que ultrapasse a inércia. É isso que me faz jogar dados ao acaso e me atirar de carros em movimento, é por isso que ando longe de viadutos. Meu suicídio diário não é uma forma de morrer. É uma tentativa desesperada de encontrar essa vida, testar minha capacidade de quase ir e voltar, descobrir se eu mereço estar aqui e se existe mesmo um deus. Afinal, ele concorda ou não com a minha maneira de encarar as coisas? Por que não me castiga por ser tão estupidamente desapegada? É minha necessidade de viver que me mata.
Tenho a impressão de ter atingido o auge da minha maturidade, mas não tenho espaço físico ou moral pra existir nessa condição. Estou pronta pra largar tudo pra trás todos os dias, mas algo finca meus pés no chão sem eviso prévio. É preciso ser coerente pra ser aceito, mas como não me contradizer tentando achar um equilíbrio? Como não ser um pouco louca nesse mundo tão absurdo?
Não adianta me oferecer o discurso de faculdade-emprego-família como verdade absoluta. A gente não aprende a viver sentado numa carteira de colégio. Não é a fórmula de Pitágoras ou a definição de pronome oblíquo que vai fazer com que eu seja mais ou menos inteligente. Saber organizar informações burocráticas em série e ser programado roboticamente não faz de ninguém um ser humano repleto. Isso tudo só rende uma possível colocação relevante numa prova de vestibular, um êxtase momentâneo. A vida se aprende nas perdas. É perdendo a liberdade que a gente descobre que não se encaixa, é perdendo alguém que a gente descobre que não vale a pena lutar por futilidades, é perdendo o apoio que a gente descobre que o resto do mundo não para só porque nosso mundo parou. A gente vai aprendendo a viver assim, na marra, no grito, no sufoco, no impulso. Eu quis mudar o mundo, quis ser brilhante, quis ser reconhecida. Hoje eu quero bem pouco e prefiro me concentrar no agora do que planejar um futuro incerto. Eu me libertei da culpa e dei de cara com algo novo: não me encaixo, e aceito. Não é justo perder as asas no momento em que se descobre tê-las. É preciso poder voar, é preciso ter uma visão estratégica das janelas. Ver o sol e não poder tê-lo é absurdo.
Então eu deixo algumas coisas passarem incompletas porque tenho consciência de que certas palavras ainda não têm tradução. Por mais que eu grite, vai ter quem não entenda, não aceite. O que eu não aceito é ter nascido num mundo tão grande e conhecer só uma pequena parte. Vou voar. Quem conseguir compreender, que me acompanhe"

Verônica H.

Qual é a idade para ser feliz?

"Ninguém se conhece direito até passar dos 30. Tem gente que não se conhece mesmo beirando os 70, mas aí é outra história. Antes dos 30, somos apenas um sonho. Um desejo com várias direções. E muita esperança a tiracolo. Até os 30, estamos definindo o que queremos. O que gostamos. O que vamos ser. Não há limites para os planos. Para o número de namorados. Nem para a quantidade de erros.

Depois dos 30, continuamos errando. Continuamos não sabendo. Continuamos esperando. Mas, pelo menos, temos uma breve idéia de onde queremos chegar. Não é fácil, eu admito. Existe uma pressão no mundo para que você se torne só uma coisa: GENTE GRANDE. Aí, meu querido, começa a batalha... Você TEM que ter um diploma, uma carreira, um namorado, um casamento, um filho, um cachorro. (Mesmo que não seja a lista dos sonhos de sua vida). Você tem que cortar o cabelo, tirar o piercing, encompridar a saia, comprar um biquíni maior, aposentar suas calças rasgadas e blusas de banda. (Apesar de achar seu novo “eu” um tanto quanto demodê).
Aonde isso vai parar? Já conto. Um dia, quando menos se espera, você se enxerga... um chato! Percebe que confundiu responsabilidade com falta de espontaneidade. E encontra sua criança interior puta da vida, num castigo que você mesma criou. ESTOU ERRADA? Pode ser. É preciso muito equilíbrio para saber a hora de não se levar tão a sério. Mas, criança grande que sou, ainda acho que os 30 são a melhor coisa do mundo. Que se danem as contas, as rugas e demais amolações. As paranóias dos 20 (finalmente!) acabaram. Agora você é um ser sublime e sem espinhas. E – digam o que quiserem! – você nunca mais vai morrer de amor. INVENÇÃO MINHA? Não, acho que não. Depois dos 30, a gente sofre com mais dignidade. A gente sabe que toda dor passa. E entende que – tirando a morte e a lei da gravidade – tudo tem conserto.
Se eu gostaria de voltar no tempo? Ah, acho que não... Ninguém, em sã consciência, tem saudade de usar aquela sunga ridícula do uniforme de educação física do Dom Silvério. Ninguém sente falta de ser insegura. Ninguém gosta de pedir permissão aos pais pra sair. Ninguém tem saudades da aflição de ser virgem e pensar depois da “primeira vez”: então é SÓ isso? Não, gente, tem coisas na vida que melhoram incrivelmente com a idade. E estou escrevendo esse texto porque vejo muita gente apavorada em ficar mais velha. Mulheres com crise existencial porque fizeram 30. Caramba, meninas! É, eu sei, eu sei, eu sei. Vivemos numa cultura que almeja o belo. E o novo. Eu me preocupo com tudo isso também, mas acho que não devemos esquecer uma coisa: renovar quem somos por dentro. Pode parecer clichê, mas é verdade. Chega de nos preocuparmos tanto com botox, preenchimento, lifting, pilates e anti-rugas. Chega de chorar pelos cantos porque você acha que passou da idade de começar de novo. Chega de tanto drama porque você ainda não encontrou o amor da sua vida. Ou mais realisticamente dizendo: um cara bacana com quem você possa viver seus dias. Amor não tem idade. Beleza também não. Pra cada um, a vida dá um tempo. Não é porque a sociedade nos manda um roteiro pronto (com prazo estabelecido), que iremos seguir tudo à risca. (Afinal, é isso que você quer?).
Ah, vou contar uma coisa... Depois de muitos aniversários, descobri que ganhei muito mais do que perdi. Com o passar dos anos, fiquei mais corajosa. Mais segura. Mais esperta. Mais sábia. Mais seletiva. E mais feliz. Perdi minhas vergonhas. Minhas inseguranças (não todas, mas muitas delas). E perdi também o medo de dizer o que penso. E o que eu penso? Ah, pessoal, a mulherada anda boba demais! Vamos parar de nos importar tanto com faixa etária e cabelos brancos. Vamos esquecer das equações que nos ensinaram pra ter uma vida perfeita. Vamos parar de dizer o tal “tô passando da idade”. Vamos nos conhecer mais. Preencher nossos vazios. Paralisar nossos medos. E nos livrar de todos os sinais que não nos fazem bem. Meninas, a plástica aqui é interna. Se está ruim, conserte. Comece tudo de novo. Aproveite que você já sabe o que (externamente) lhe cai bem. E mude. POR DENTRO. Afinal, com que cara você quer chegar aos 40?"

Fernanda Mello

terça-feira, 6 de julho de 2010

Mulher de 30


Cibele Santos

Garfield


Jim Davis

Frases Soltas


Adélia Prado

Ouvir a Canção

"Não que fosse impossível, mas como amar alguém que não ouve a mesma canção? Como amar alguém que não decifra o que há na música, que não entende só a melodia, que não vê a poesia na letra e se emocina? Como não perceber as possibilidades de um amor louco ou breve na canção que se descreve? Como não precisar quando a voz vibra de saudade ou de dor? Não se ama alguém que não ouve.

Não se planeja uma vida com alguém que não ouve a mesma canção, não se preocupa com a poesia, que não a entende, nem a sente, nem a perpetua. Vida sem poesia, não sobra nada, nem amor para o próximo dia. Não se ama alguém que não tenha um livro de Lya Luft, um cd do Chico ou de Maria Bethânia, um quadro na parede e um amor do passado. Aliás, não se ama alguém sem passado, sem história, sem uma saudade de alguma coisa que até quando você olha nos seus olhos sente arder. Quem tem saudade, tem alguma coisa boa que vem desde muito tempo. Não se ama alguém pronto, alguém preparado, alguém seguro de tudo. Só se ama alguém que ainda podemos ver crescer, crescer junto com o que também queremos ser.
Não se entrega um sonho nas mãos de alguém que não ouve a mesma canção, de alguém que não ocupa o teu pensamento todo, e não te retribui em dobro o gesto e o riso. Não se ama alguém que não lê jornais, que não come besteiras, que duvida no toque do telefone. Não se ama alguém que não conhece teu perfume, teu prato e teu lugar preferido. Que não percebe que teu temperamento não é teu signo, que não acredita no que você daria a vida. Não se ama alguém em quem não se confia de olhos fechados e de coração aberto.
Não se apaixone por alguém que não ouve a mesma canção, nem goste de matinês e cafeterias. Não se ama alguém que não tenha plantas em casa, não use tapete na porta de entrada e não tenha talheres de inúmeras cores. Não se ama alguém que derrete na chuva e se torra no sol. Não se ama alguém que não viaja, que não planeja, que não tenha expectativas, nem que sejam mínimas e tolas. Não se ama quem fala pouco, quem gesticula antes da palavra e que não cante junto com a música.
Não se ama quem nunca quebrou um copo, quem nunca esqueceu as chaves, quem está satisfeito com a cor da sala, quem não tem compromisso, quem perde a hora, quem joga extratos fora, quem se muda toda hora, que não tenha manias, que não acorde com o rosto amassado de manhã. Desconfie se não te olhar nos olhos, se não te der segurança no dar das mãos, se mudar de assunto no domingo de manhã e principalmente, com toda certeza, desconfie, mude, termine se não ouvir a mesma canção."


Cáh Morandi

SIM, ACEITO

"Não é de hoje que casamento é negócio. As pessoas se casam pra pagar menos no plano de saúde de família. Pra ter uma esposa pra apresentar na empresa e conseguir uma promoção pra um cargo. Pra ter um marido pra pagar as contas. Pra pertencer a um grupo social. Pra ter uma família pra quem deixar a herança. As pessoas se casam por diversas razões. E amor poucas vezes está incluído no pacote.

Vi essa semana na tevê que o tal do Tiger Woods, jogador de golfe americano, se separou da mulher e ela embolsou 750 milhões de dólares dele. Mais a guarda dos filhos. Em troca, a ex-esposa não poderá falar nada sobre os romances que o ex-marido teve fora do casamento. Vou traduzir pro texto ficar mais claro: a cidadã aceitou ser corna durante anos - sei lá quantos - para embolsar uma bolada depois. Isso é amor ou negócio? (Na verdade, eu acho que isso tem um outro nome, mas aí já é assunto pra um outro texto).
Tem hora que eu fico meio puta. Dá vontade de chutar o balde e dançar conforme a música. Arrumar um homem rico que pague minhas contas e fazer tudo conforme manda o novo figurino. Foda-se o amor que só me fode a vida, foda-se que eu acredito que casamento tem que ser por (e com) amor, foda-se que eu gostaria de me casar com alguém que eu ame ao invés de me casar uma conta bancária. Tem hora que me dá vontade disso mesmo. Mas o surto dura poucos segundos e logo volto ao meu estado normal.
Acho muito espertas as Daniela Albuquerques da vida que se casam com velhos gordos carecas, 40 anos mais velhos que elas, pra ter um programa meia-boca num canal meia-boca e lançar kit de beleza. Juro que acho. Mas eu não aguentaria viver de esperteza. Perder minha juventude e minha beleza sendo esperta ao invés de ser amada. Acho muito espertas as Gimenez da vida que dão pra velhos roqueiros ricos e casados pra embolsar uma pensão gorda. Mas, sinceramente, eu não conseguiria. Primeiro que não tenho o mínimo dom pra fazer sexo por dinheiro. Segundo que eu acho que filho é coisa séria, deve ser parte de uma família, e não uma fonte de renda.
Mas nada disso é privilégio da vida moderna. É assim desde que o mundo é mundo. As pessoas trocam amor por dinheiro, sexo por dinheiro, dignidade por dinheiro. Casamento é negócio. Troca de interesses, na maioria das vezes. Admiro pessoas que se casam por amor porque é bem mais difícil de dar certo. Tem que ter fidelidade. Companheirismo. Compreensão. Tolerância. Cumplicidade. Amizade. Carinho. Respeito. E uma lista interminável de quesitos que as pessoas que se casam por amor não estão dispostas a trocar por dinheiro algum. Não é fácil. Amar dá trabalho. Muito mais prático fazer do casamento um negócio mesmo. Eu ainda to na peleja. Tentando acreditar que amar pode dar certo e que casamento por amor é que vai funcionar pra mim. Não preciso de tanto dinheiro assim pra viver. E ainda que eu precise, acho que posso conseguir o meu pé-de-meia sem negociar meus valores num casamento de conveniência."

Brena Braz