"Uma pessoa fica duas horas jogando frescobol na beira da praia sob um sol africano: 38 graus. Terminada a partida, joga as raquetes para o alto e corre para um mar de temperatura siberiana, bem ao gosto dos pingüins. Resultado: choque térmico.
Você não precisa fazer a experiência: quem já teve um grande amor e perdeu de um dia para o outro sabe como é. Você passa meses, talvez anos ao lado de alguém que aquece suas noites, que a faz queimar, derreter. Não é um forno de microondas: é seu namorado, que não precisa apertar botão nenhum para fazê-la arder, basta tocar no seu braço e temos um incêndio no quarteirão. Tudo é quente entre vocês: os olhares, os beijos e o resto, principalmente o resto. Vocês são pólvora, querosene, gasolina. Altamente inflamáveis. Imagine anos e anos nesse fogaréu, até que um dia ele telefona e diz que conheceu outra pessoa, que continua a gostar de você, mas como amiga.
Choque térmico. Você, que vivia de camiseta regata e minissaia, passa a usar blusa de gola rulê, casacão e luvas, e mesmo assim não pára de tremer. Foi-se o calor. Você nunca o viu tão frio. Ele cruza com você numa festa e a cumprimenta com ar de quem já lhe viu em algum lugar, mas não lembra onde. Você liga para a casa dele e as ex-sogrinha querida diz que está sozinha em casa. Ao fundo você escuta Aerosmith a todo volume. Ou sua sogra está resgatando a adolescência perdida ou o cretino mandou dizer que não está. Você o espera na saída do trabalho. Você impõe sua presença. Você toca distraidamente no seu braço para ver se aciona a chama, mas entre ele e uma pedra de gelo, você colocaria ele num copo de uísque. Você ameaça se matar, marca hora e local, e fica sabendo que ele reagiu bem: disse que mandaria rezar uma missa. Abominável homem das neves.
Choque térmico. Você perde o seu amor, e com ele as labaredas, as faíscas, a transpiração que a fazia tomar três banhos por dia. Agora resta a solidão, o frigorífico, as águas do Pacífico. Você se sente nua em pleno Alaska.Você planeja fazer cinco horas de aeróbica e depois se atirar de um barco num lago congelado, um suicídio mais que simbólico. Mas eis que surge um salva-vidas de 1 metro e noventa e a cara do Leonardo di Caprio quando for adulto. Ele convida para um vinho. Oferece um cobertor. Bota lenha na fogueira. Choque térmico à vista, outra vez. Olhe pra você, já começou a suar. "
Martha Medeiros, Maio de 1998
1 comentários:
Oi, Juliana, teu blog é ótimo! Agradeço por fazer parte de meus seguidores. Estarei por aqui lendo tuas matérias que, por sinal, já andei pra lá e pra cá...
Um grande beijo e meu carinho à nova amiga.
tais luso
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