quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Tempo Mágico

"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para
frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou

uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas

percebendo que faltam poucas, rói o caroço.



Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em

reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando

seus lugares, talentos e sorte.


Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de
conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do
mundo.


Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a
proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos,
normas, procedimentos e regimentos internos. Já não tenho tempo para
administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são
imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de
"confrontação", onde "tiramos fatos a limpo". Detesto fazer acareação de
desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do
coral.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: "as pessoas não
debatem conteúdos, apenas os rótulos". Meu tempo tornou-se escasso para debater
rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não
se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a
dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de
Deus.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor
absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo. O essencial faz a
vida valer a pena."


Rubem Alves

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