segunda-feira, 31 de agosto de 2009
A mulher apaixonada
"É um ser em estado de torcida do Flamengo. Torce mais por ele (o amado) que pela Seleção. Entra no campo, agride o juiz, salta o alambrado, topa qualquer desafio. Só vê a vitória.
Vai pro exílio, larga carreira, profissão, conveniência, partido político. Só tem um caminho e uma verdade: o amor. O resto virá depois. Sem ele, o tudo é nada.
É o mais paciente dos seres impacientes. Sempre em estado de “estou pronta”, leva anos esperando com uma insuportável e maravilhosa impaciência, exigência, dedicação, entrega, cegueira, vontade de quintais, praias e amarrações que supõe perfeitas e definitivas. Ninguém vive a provisoriedade com tanto sentido de permanência. Ninguém assina em branco e antecipa tantos avais de afeto. Ninguém erra com tanta convicção e decência.
É fera e santa; guerreira e gato; desastrada e genial, capaz de usar fitas, meias coloridas; de enfrentar solidões, distâncias, presenças e furacões pelo ser amado.
É o mais regular dos seres irregulares porque não julga, não pensa, não avalia: sente. E que se danem o mundo, as regras, as regulações, disposições, legislações e tudo aquilo que a mãe ensinou! Que o mundo exploda em flores!
Ser de grandezas, só vive de migalhas.
Entende de lençóis iluminados pela luz do corredor nas noites sem sono; conhece ruídos diferentes de tique-taques e entende de cantores e poetas (escolhidos secretamente).
Interpreta as mensagens mais sutis do amado: tom de voz; espaço entre uma e outra frase; fomes dominicais; impressões vagas de cansaço, tédio, alegria ou saudade expressas por fungados, suspiros, desabafos, interjeições, gestos, sons, olhares.
Mistura disposição com vontade. Possibilidade com ânsia. Dificuldade com não querer. Em suma: é o mais incapaz dos capazes do que há de melhor, mais lindo, legítimo e verdadeiro.
Especialista em pretextos; modista de oportunidades; navegantes de esperanças; tecelã de ternuras; doceira de amarguras.
É furacão e chuvisco; exaltação e placidez; adivinhação e alienação; sábia e patusca; maravilha e susto; mãe e mulher; filha e bruxa; santa e desastrada.
O único ser que topa qualquer parada não é o herói, o desesperado ou o valente: é a mulher apaixonada."
Artur da Távola
Soneto do Maior Amor
E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal aventurada.
Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo
Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo."
Vinícius de Moraes
Desacorrentadas
O amor liberta? De certa forma, sim. Amar faz você desprender-se da razão, incorporar novos hábitos, expandir seus sentimentos, invadir recantos da sua alma nunca antes explorados. De fato, é bem poético e libertador amar.
Mas tem seus contratempos, lógico. A convivência entre duas pessoas nem sempre é um mar de calmaria, muitas concessões necessitam ser feitas, ou seja, alma gêmea não existe, é conversa. Ainda assim, é melhor estar amando do que não estar amando. Ao menos até uma determinada idade.
Circulam por aí reportagens que enaltecem o amor aos 70, 80 anos, dizendo que nunca devemos encerrar as buscas, que o amor merece ser encontrado em qualquer etapa da vida. Merece, mas tenho ressalvas a fazer.
Há duas mulheres famosas na faixa dos 60 anos que, depois de amarem muito, já manifestaram publicamente a sua desistência em seguir procurando companhia (ainda que eu intua que esse desprendimento ainda vai lhes proporcionar novas surpresas amorosas). Mas, enfim, são mulheres inteligentes e bem resolvidas, e essa postura de “largar de mão” me inspirou: pretendo seguir a mesma cartilha. Não que eu colecione desilusões, pelo contrário. Não tenho do que me queixar. Já vivi o lado zen e o lado tsunâmico do amor, e o saldo é de puro prazer e gratidão. Sou totalmente pró-amor, nem penso em aposentadoria agora. Mas o agora vai se transformar em depois, e depois é outra história.
Estou sem a menor pressa de que o tempo passe, mas vai passar e quando eu chegar nos meus 60 e tantos, bem saudável, independente e mantendo o espírito da juventude (estão rindo do quê?), pretendo curtir a vida mais do que já curto hoje. E não haverá problema em estar sozinha, caso estiver. Quem tem amigos, não se aperta. Ainda mais quando são amigos de diversas tribos, diversas idades, gente com a cabeça aberta, o humor tinindo, bem informados - existe turma melhor? Depois de uma noitada regada a ótimas conversas, você pega sua bolsa e volta pra casa, pega seu livro, se esparrama na cama e dorme até a hora que quiser, se for final de semana - e se não for, também.
Além de amigos, ter algum dinheiro é importante, lamento tocar nesse assunto desagradável. É ele que possibilitará que você viaje, vá a shows, receba gente querida em casa, se presenteie com pequenos mimos. Sim, você pode fazer tudo isso com um parceiro ao lado, mas não na hora que você bem entender e sem dar satisfações. Tudo terá que ser negociado. E será preciso abrir espaço na agenda para os amigos dele, a família dele, as carências dele, as doenças dele, as galinhagens dele. Será que, maduríssima da silva, terei tempo e paciência para me dedicar tanto assim à manutenção de uma relação nova? Sem falar em continuar tendo que se preocupar com o próprio corpo, com as artimanhas da sedução, com o sexo. Ai, o sexo... Sentirei saudades.
Poético e libertador é pensar que nunca estarei sem ninguém, porque chega uma hora em que a gente decide que é alguém, e basta."
Martha Medeiros (Jornal Zero Hora, 30/08/2009)
sábado, 29 de agosto de 2009
Ódio?
"Ódio?Ódio por ele? Não...Se o amei tanto,Se tanto bem lhe quis no meu passado,Se o encontrei depois de o ter sonhado,Se à vida assim roubei todo o encanto...Que importa se mentiu? E se hoje o prantoTurva o meu triste olhar, marmorizado,Olhar de monja, trágico, geladoComo um soturno e enormeCampo Santo!Ah! nunca mais amá-lo é já bastante!Quero senti-lo d’outra, bem distante,Como se fora meu, calma e serena!Ódio seria em mim saudade infinda,Mágoa de o ter perdido, amor ainda.Ódio por ele? Não... não vale a pena..."
Mãe
Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga
quando sopra o vento e a chuva desaba, veludo escondido
na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento.
Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça, é eternidade.
Por que Deus se lembra - mistério profundo - de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei:
Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele,
velho embora, será pequenino feito grão de milho".
Carlos Drummond de Andrade
A Alegria na Tristeza
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
Você não me ensinou a te esquecer
Que vontade que eu sinto
De olhar em seus olhos, ganhar seus abraços
É verdade, eu não minto
E nesse desespero em que me vejo
Já cheguei a tal ponto
e me trocar diversas vezes por você
Só pra ver se te encontro
Você bem que podia perdoar
E só mais uma vez me aceitar
Prometo agora vou fazer por onde nunca mais perdê-la
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer e te querendo eu vou tentando me encontrar"
Caetano Veloso
Nem sempre a mesma....
O tempo
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
Eu, modo de usar
Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar.
Acordo pela manhã com ótimo humor mas ... permita que eu escove os dentes primeiro.
Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre minha nocauteante beleza.
mas não conte piadas e nem seja preconceituoso, não perca tempo,
cultivando este tipo de herança de seus pais.
Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto,
um albergue da juventude.
Eu saio em conta, você não gastará muito comigo.
Acredite nas verdades que digo e também nas mentiras, elas serão raras e sempre por uma boa causa. Respeite meu choro, me deixe sózinha, só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariada.
( Então fique comigo quando eu chorar, combinado?).
Não se vista tão bem... gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços,
gosto de pernas e muito de pescoço.
Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto: boca, cabelos, os pelos do peito e um joelho esfolado, você tem que se esfolar as vezes, mesmo na sua idade.
Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida,
não de boate que isto é coisa de gente triste.
Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes.
Goste de música e de sexo, goste de um esporte não muito banal.
Não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua familia...
isso a gente vê depois ... se calhar ...
Deixa eu dirigir o seu carro, que você adora.
tenha amigos e digam muitas bobagens juntos.
Não me conte seus segredos ... me faça massagem nas costas.
Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções.
Me rapte!Se nada disso funcionar ...
Experimente me amar !!! "
Abraço
Uma vontade de entrelaço,
de proximidade, de amizade... sei lá...
Talvez um aconchego que enfatize a vida
e amenize as dores...
Que fale sobre os amores,
que seja teimoso e,
ao mesmo tempo, forte.
Deu vontade de poder rever,
saudade de um abraço.
Um abraço que eternize o tempo
e preencha todo espaço
mas que faça lembrar do carinho,
que surge devagarzinho
da magia da união dos corpos,
das auras... sei lá...
Lembrar do calor das mãos,
acariciando as costas,
a dizer: "estou aqui."
Lembrar do trançar
dos braços envolventes
e seguros afirmando:
"estou com você"...
Lembrar da transfusão de forças
com a suavidade do momento...
sei lá...abraço...abraço...abraço...
abraço... abraço...abraço...
abraço..abraço...abraço...
O que importa é a magia deste abraço!
A fusão de energia que harmoniza,
integra tudo, e que se traduz
no cosmo, no tempo e no espaço.
Só sei que agora
deu vontade desse abraço
Que afaste toda e qualquer angústia.
Que desperte a lágrima da alegria,
e acalme o coração
Que traduza a amizade,
o amor e a emoção...
E, para um abraço assim,
só pude pensar em você...nessa sua energia,
nessa sua sensibilidade,
que sabe entender o porquê...
dessa vontade desse abraço... "
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Namorofobia
Amor e Luz
"Radical assim, sim. Você gosta do que você é. Você admira quem tem asqualidades que você também acha que tem ou gostaria de ter.Você gosta do que lhe diz respeito, gosta das pessoas que têm seu sangue,das que você elege, das que não ameaçam você.Você e o mundo são assim. Todos os seres humanos são assim, racionalmente.Na tv, concordamos com quem diz o que nós pensamos. No jornal, damoscrédito a quem escreve o que nos representa. No fundo, nós só gostamos denós mesmos.Leio uma crítica do Ricardo Feltrin e adoro-a. Claro, ela reflete o que eu tambémpenso, tenho que gostar. Dela, a crítica, dele, o crítico.Cada ser humano se sente o centro do mundo, vê tudo sob sua ótica e só ama a
si mesmo. Até sua falta de auto-estima prova que seu interesse é só um, ele
próprio. Egoístas. Todos somos.
E aí vem o amor.
E dá uma rasteira no nosso ego imbecil.
O amor.
Que subitamente faz com que a gente ame alguma coisa, alguém, que é um
não-eu. Não é a mamãe, nem o papai, vovó, titio, filhinho. É outra pessoa.
De outra família, outro lugar, que tem outra história. Muitas vezes, é até de
outro sexo.
E amamos esta pessoa sem saber como ou por quê.
Porque o amor não é verbo que a gente conjuga na primeira pessoa de forma
racional, amor é verbo que faz da gente objeto.
O amor acontece.
E só quem aprende, entende, exercita o amor sabe que sua potência, sua
imensidão.
Quem nunca amou, pode achar que sabe mas não sabe.
Amor é único, não parece com nada.
O que mais se parece com amor deve ser chocolate. Ou queijo. Quando a
gente tem vontade de comer chocolate não serve mais nada. Só chocolate mesmo.
Queijo é assim também. É uma coisa em si.
No fundo, todo mundo que vive em desamor, de forma pontual ou em longas doses
ao longo dos anos, vai ficando amargo. Depois azedo. Depois, podre.
As pessoas ruins, ácidas, infelizes, que não sentem prazer, vivem anestesiadas.
São sempre as mais ranzinzas, as mais chatas, as que alfinetam, as que ferroam
sem parar.
Não são rompantes normais da ira, é um azedume que contamina tudo, uma
humidade triste de quem vive sem luz, onde o bolor diário da inveja cresce.
É triste, isto. Gente que vive embolorada por dentro, por falta de amor e sol.
Lamento por todas elas.
Porque se elas se lançassem ao amor, mudariam num instante.
No dia dos namorados, só posso desejar muito amor a todos."
Rosana Hermann
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Se tudo existe
"Se tudo existe é porque sou.
Mas por que esse mal estar?
É porque não estou vivendo do único modo
que existe para cada um de se viver e nem sei qual é.
Desconfortável.
Não me sinto bem.
Não sei o que é que há.
Mas alguma coisa está errada e dá mal estar.
No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo.
Abro o jogo.
Só não conto os fatos de minha vida:
sou secreta por natureza.
O que há então?
Só sei que não quero a impostura.
Recuso-me.
Eu me aprofundei mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado. "
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Para o Amor Perdido
Decidi ficar com você.....
SORRY, I CAN'T
Não sei. Não sabemos. Procuramos pistas na ciência, na fé e na religião. Criamos Deus e deuses pra explicar o inexplicável. Buscamos pistas de que estamos no caminho certo ou, pelo menos, no melhor caminho. Acreditamos nos sinais, no destino e na contradição deles. Entendemos um pé-na-bunda como um sinal de que era pra ser assim. Entendemos um re-encontro como um plano traçado pelo destino. E assim vamos mexendo as peças de um jogo louco e sem explicação.
Aonde queremos chegar fazendo o que fazemos, sendo quem somos, acreditando no que acreditamos? E, afinal, quem somos? Em que acreditamos, se não acreditamos em nós mesmos? Desconstruímos sonhos ou os arremessamos ao acaso. Desacreditamos da sorte, do acaso ou do destino. Despedaçamos nossa auto-estima, nossa confiança na própria fé. Insultamos Deus e o diabo.
E assim, seguimos à própria sorte. Mandamos e desmandamos na nossa vida. A vida manda e desmanda na nossa sorte. Procuramos refúgio nos nossos vícios ocultos, ainda que esses vícios sejam academia e solidão. Fugimos do mundo pra fugir de nós mesmos. Fugimos de nós mesmos para fugir do mundo. Tem dias que simplesmente não dá. Não dá pra rir de piada sem graça, não dá pra agüentar a chatice alheia (já basta a nossa própria), não dá pra gostar de comer rúcula (quem inventou essa porra?). Chamem de TPM, de crise existencial ou o diabo. Tem dias que só uma enorme barra de chocolte com ovomaltine te entende. Desculpa, mas tem dias que não dá pra brincar de faz-de-conta. Não posso. Hoje, não.!"
BRENA BRAZ
Devolva-me
sábado, 22 de agosto de 2009
Sobre o amor
Quando as Mulheres Acordam
O amor impossível é o verdadeiro amor
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
ORIGEM FEMININA
Uma diz que Deus pôs o primeiro homem a dormir, inaugurando assim a anestesia geral, tirou uma de suas costelas e com ela fez a primeira mulher.
E que a primeira provação de Eva foi cuidar de Adão e agüentar o seu mau humor, enquanto ele convalescia da operação.
Uma variante desta lenda diz que Deus, com seu prazo para a Criação estourado, fez o homem às pressas, pensando “Depois eu melhoro”, e mais tarde, com tempo, fez um homem mais bem-acabado, que chamou Mulher, que é “melhor” em aramaico.
Outra lenda diz que Deus fez a mulher primeiro, e caprichou nas suas formas, e aparou aqui e tirou dali, e com o que sobrou fez o homem só para não jogar barro fora.
Zeus teria arrancado a mulher de sua própria cabeça.
Alguns povos nórdicos cultivam o mito da Grande Ursa Olga, origem de todas as mulheres do mundo, o que explica o fato das mulheres se enrolarem periodicamente em pêlos de animais, cedendo a um incontrolável impulso atávico, nem que seja só para experimentar, na loja, e depois quase desmaiar com o preço.
Em certas tribos nômades do Meio Oriente ainda se acredita que a mulher foi, originariamente, um camelo, que na ânsia de servir seu mestre de todas as maneiras foi se transformando até adquirir sua forma atual.
No Extremo Oriente existe a lenda de que as mulheres caem do céu, já de kimono.
E em certas partes do Ocidente persiste a crença de que mulher se compra através dos classificados, podendo-se escolher idade, cor da pele e tipo de massagem.
Todas estas lendas, claro, têm pouco a ver com a verdade científica. Hoje se sabe que o Homem é o produto de um processo evolutivo que começou com a primeira ameba a sair do mar primevo, e é o descendente direto de uma linha específica de primatas, tendo passado por várias fases até atingir o seu estágio atual e aí encontrar a Mulher, que ninguém ainda sabe de onde veio.
É certamente ridículo pensar que as mulheres também descendem de macacos. A minha mãe, não!
Uma das teses mais aceitáveis sobre o papel da mulher na evolução do homem é a de que o primeiro encontro entre os dois se deu no período paleolítico, quando um homo-sapiens mas não muito, chamado, possivelmente, Ugh, saiu para caçar e avistou, sentado numa pedra, penteando os cabelos, um ser que lhe provocou o seguinte pensamento, em linguagem de hoje:
”Isso é que é mulher e não aquilo que tenho na caverna”.
Ugh aproximou-se da mulher e, naquele seu jeitão, deu a entender que queria procriar com ela.
”Agh maakgrom grom”, ou coisa parecida. A mulher olhou-o de cima a baixo e desatou a rir.
É preciso lembrar que Ugh, embora fosse até bem apessoado pelos padrões da época, era pouco mais do que um animal aos olhos da mulher. Tinha a testa estreita e as mandíbulas pronunciadas e usava gordura de mamute nos cabelos.
A mulher disse alguma coisa como “Você não se enxerga, não?” e afastou-se, enojada, deixando Ugh desolado. Antes dela desaparecer por completo, Ugh ainda gritou: “Espera uns 10 mil anos pra você ver!”, e de volta à caverna exortou seus companheiros a aprimorarem o processo evolutivo.
Desde então, o objetivo da evolução do homem foi o de proporcionar um par à altura para a mulher, para que, vendo o casal, ninguém dissesse que ela só saía com ele pelo dinheiro, ou para espantar assaltantes.
Se não fosse por aquele encontro fortuito em alguma planície do mundo primitivo, o homem ainda seria o mesmo troglodita desleixado e sem ambição, interessado apenas em caçar e catar seus piolhos, e um fracasso social.
Mas de onde veio a primeira mulher, já que podemos descartar tanto a evolução quanto as fantasias religiosas e mitológicas sobre a criação?
Inclino-me para a tese da origem extraterrena. A mulher viria (isto é pura especulação, claro) de outro planeta.
Venho observando-as durante anos - inclusive casei com uma, para poder estudá-las mais de perto - e julgo ter colecionado provas irrefutáveis de que elas não são deste mundo. Observei que elas não têm os mesmos instintos que nós, e volta e meia são surpreendidas em devaneio, como que captando ordens de outra galáxia, embora disfarcem e digam que só estavam pensando no jantar. Têm uma lógica completamente diferente da nossa. Ultimamente têm tentado dissimular sua peculiaridade, assumindo atitudes masculinas e
fazendo coisas - como dirigir grandes empresas e xingar a mãe do motorista ao lado - impensáveis há alguns anos, o que só aumenta a suspeita de que se trata de uma estratégia para camuflar nossas diferenças, que estavam começando a dar na vista.
Quando comentamos o fato, nos acusam de ser machistas, presos a preconceitos e incapazes de reconhecer seus direitos, ou então roçam a nossa nuca com o nariz, dizendo coisas como “ioink, ioink” que nos deixam arrepiados e sem argumentos.
Claramente combinaram isto. Estão sempre combinando maneiras novas de impedir que se descubra que são alienígenas e têm desígnios próprios para a nossa terra.
É o que fazem, quando vão, todas juntas, ao banheiro, sabendo que não podemos ir atrás para ouvir.
Muitas vezes, mesmo na nossa presença, falam uma linguagem incompreensível que só elas entendem, obviamente um código para transmitir instruções do Planeta Mãe.
E têm seus golpes baixos. Seus truques covardes. Seus olhos laser, claros ou profundamente escuros, suas bocas.
Meu Deus, algumas até sardas no nariz. Seus seios, aqueles mísseis inteligentes. Aquela curva suave da coxa, quando está chegando no quadril, e a Convenção de Genebra não vê isso!
E as armas químicas - perfumes, loções, cremes. São de uma civilização superior, o que podem nossos tacapes contra os seus exércitos de encantos?
Breve dominarão o mundo. Breve saberemos o que elas querem. Se depois de sair este artigo, eu for encontrado morto com sinais de ter sido carinhosamente asfixiado, como um sorriso, minha tese está certa. Se nada me acontecer, sinal de que a tese está certa, mas elas não temem mais o desmascaramento.
O que elas querem, afinal?
Se a mulher realmente veio ao mundo para inspirar o homem a melhorar e ser digno dela, pode ter chegado à conclusão de que falhou, que este velho guerreiro nunca tomará jeito. Continuaremos a ser mulheres com defeito, uma experiência menor num planeta inferior. O que sugere a possibilidade de que, assim como veio, a mulher está pronta a partir, desiludida conosco.
E se for isso que elas conspiram nos banheiros? A retirada? Seríamos abandonados à nossa própria estupidez. Elas levariam as suas filhas e nos deixariam com caras de Ugh.
Posso ver o fim da nossa espécie. Nossos melhores cientistas abandonando tudo e se dedicando a intermináveis testes com a costela, depois de desistir da mulher sintética. Tentando recriar a mágica da criação.
Uma mulher, qualquer mulher, de qualquer jeito! Prometemos que desta vez não as decepcionaremos! Uma mulher! Como é que se faz uma mulher? "
Luís Fernando Veríssimo
Fazer 30 anos
"QUATRO pessoas, num mesmo dia, me dizem que vão fazer 30 anos. E me anunciam isto com uma certa gravidade. Nenhuma está dizendo: vou tomar um sorvete na esquina, ou: vou ali comprar um jornal. Na verdade estão proclamando: vou fazer 30 anos e, por favor, prestem atenção, quero cumplicidade, porque estou no limiar de alguma coisa grave.
Antes dos 30 as coisas são diferentes. Claro que há algumas datas significativas, mas fazer 7, 14, 18 ou 21 é ir numa escalada montanha acima, enquanto fazer 30 anos é chegar no primeiro grande patamar de onde se pode mais agudamente descortinar.
Fazer 40, 50 ou 60 é um outro ritual, uma outra crônica, e um dia eu chego lá. Mas fazer 30 anos é mais que um rito de passagem, é um rito de iniciação, um ato realmente inaugural. Talvez haja quem faça 30 anos aos 25, outros aos 45, e alguns, nunca. Sei que tem gente que não fará jamais 30 anos. Não há como obrigá-los. Não sabem o que perdem os que não querem celebrar os 30 anos. Fazer 30 anos é coisa fina, é começar a provar do néctar dos deuses e descobrir que sabor tem a eternidade. O paladar, o tato, o olfato, a visão e todos os sentidos estão começando a tirar prazeres indizíveis das coisas. Fazer 30 anos, bem poderia dizer Clarice Lispector, é cair em área sagrada.
Até os 30, me dizia um amigo, a gente vai emitindo promissórias. A partir daí é hora de começar a pagar. Mas também se poderia dizer: até essa idade fez-se o aprendizado básico. Cumpriu-se o longo ciclo escolar, que parecia interminável, já se foi do primário ao doutorado. A profissão já deve ter sido escolhida. Já se teve a primeira mesa de trabalho, escritório ou negócio. Já se casou a primeira vez, já se teve o primeiro filho. A vida já se inaugurou em fraldas, fotos, festas, viagens, todo tipo de viagens, até das drogas já retornou quem tinha que retornar.
Quando alguém faz 30 anos, não creiam que seja uma coisa fácil. Não é simplesmente, como num jogo de amarelinha, pular da casa dos 29 para a dos 30 saltitantemente. Fazer 30 anos é cair numa epifania. Fazer 30 anos é como ir à Europa pela primeira vez. Fazer 30 anos é como o mineiro vê pela primeira vez o mar.
Um dia eu fiz 30 anos. Estava ali no estrangeiro, estranho em toda a estranheza do ser, à beira-mar, na Califórnia. Era um homem e seus trinta anos. Mais que isto: um homem e seus trinta amos. Um homem e seus trinta corpos, como os anéis de um tronco, cheio de eus e nós, arborizado, arborizando, ao sol e a sós.
Na verdade, fazer 30 anos não é para qualquer um. Fazer 30 anos é, de repente, descobrir-se no tempo. Antes, vive-se no espaço. Viver no espaço é mais fácil e deslizante. É mais corporal e objetivo. Pode-se patinar e esquiar amplamente.
Mas fazer 30 anos é como sair do espaço e penetrar no tempo. E penetrar no tempo é mister de grande responsabilidade. É descobrir outra dimensão além dos dedos da mão. É como se algo mais denso se tivesse criado sob a couraça da casca. Algo, no entanto, mais tênue que uma membrana. Algo como um centro, às vezes móvel, é verdade, mas um centro de dor colorido. Algo mais que uma nebulosa, algo assim pulsante que se entreabrisse em sementes.
Aos 30 já se aprendeu os limites da ilha, já se sabe de onde sopram os tufões e, como o náufrago que se salva, é hora de se autocartografar. Já se sabe que um tempo em nós destila, que no tempo nos deslocamos, que no tempo a gente se dilui e se dilema. Fazer 30 anos é como uma pedra que já não precisa exibir preciosidade, porque já não cabe em preços. É como a ave que canta, não para se denunciar, senão para amanhecer.
Fazer 30 anos é passar da reta à curva. Fazer 30 anos é passar da quantidade à qualidade. Fazer 30 anos é passar do espaço ao tempo. É quando se operam maravilhas como a um cego em Jericó.
Fazer 30 anos é mais do que chegar ao primeiro grande patamar. É mais que poder olhar pra trás. Chegar aos 30 é hora de se abismar. Por isto é necessário ter asas, e sobre o abismo voar.
Dores de um amor Romântico
Das besteiras que falo
De onde vêm os hematomas
Dos medos e dos fracassos
Sei o que penso na insônia
Quando dou uma esmola
Quando digo minha glória
E penso nos vestidos
Sei das noites bebidas
Nos copos sujos e sujos
Conheço cada pedaço da rua
Conheço um pouco de tudo
E sei que digo mentira
Quando digo “Sei de tudo”
Falo demais sobre mim
E quando vejo
Já disse
Algumas verdades .."